Críticas

Mostra SP | Crítica: Com Amor, Van Gogh

Com Amor, Van Gogh foi um filme que deve muito de seu boca a boca pelas redes sociais, o projeto viralizou na internet após um trailer realizado ainda com o longa em período de produção. Ali já foi sabido por todos que haveria uma animação realizada apenas com tinturas a óleo, o primeiro longa-metragem realizado inteiramente com essas telas. Após anos de espera, o filme pode ser visto e chega com certo badalo na Mostra Internacional de São Paulo, afinal todo mundo queria ver a biografia de van Gogh contada dessa forma bastante peculiar.

Dessa forma, a primeira grande curiosidade do filme cerca justamente essa questão prática e técnica, como uma animação realizada a partir de telas pintadas a óleo se comportam no cinema? O visual inspirado no trabalho do pintor funciona para chamar atenção como também tem seu grande impulso criativo. Com Amor, Van Gogh torna-se então um daqueles casos que entra em cena com certa vantagem, já ganhando pela curiosidade e por sua peculiaridade, como se de alguma forma pulasse algumas regras do jogo entre público e obra.

Dorota Kobiela e Hugh Welchman, diretores e roteiristas do longa, em parte se aproveitam dessa questão, mas também acabam se rendendo ao calor da novidade que seu filme representa. Com Amor, Van Gogh deixa sempre aparente seu estilo, fazendo com que a animação realizada através de milhares de quadros pintados a óleo seja parte fundamental da narrativa. A biografia de Vincent van Gogh passa a ser realizada a partir da própria representação do mundo do artista, utilizando suas obras para constituir o design dos personagens e o estilo dos cenários. Cada figura que entra em cena, ou ambiente em que as ações se desenrolam são baseadas e mimetizadas em alguma obra conhecida do pintor holandês. Como o retrato de Joseph Roulin,o retrato de Pierre Tanguy, ou mademoiselle Gachet no piano.

Com Amor, Van Gogh tem claramente um sentimento de conhecer o artista, denominado por muitos como o pai da arte moderna. Dessa forma, o filme torna-se um passeio pela vida e obra do artista, se visualmente é reconhecido o trabalho do pintor, a sua vida é narrada literalmente pelo roteiro. O longa conta história através de outro personagem, Armand Roulin, filho do carteiro responsável pela correspondência entre Vincent e Theo van Gogh, o rapaz fica encarregado de entregar uma última carta entre os irmãos, naquele momento ambos já falecidos. O protagonista, assim como público, vai entrando na vida do pintor, descobrindo a cada cidade que passa e a cada encontro que vive mais uma faceta de Vincent van Gogh, os personagens do filme recontam as passagens do artista, fazendo uma viagem por sua biografia. Uma tentativa de sair do lugar comum e representar essa história sem realizar uma reconstituição da vida de um homem, ressaltando esse sentimento de descoberta em relação a um grande nome das artes.

Há então um valor quase educativo em Com Amor, Van Gogh, óbvio que o drama é evidenciado no roteiro e os conflitos são extremamente presentes, mas esse sentimento de conhecer van Gogh ressalta a experiência do filme. Assim, arma-se uma estratégia narrativa bem clara, o encontro desse personagem principal com outras figuras faz com que o filme entre em flashbacks contando a trajetória do pintor, quanto mais sabe, mais Roulin deseja ter todas as informações e respostas sobre van Gogh, onde os flashbacks praticamente ganham o mesmo tempo de tela que a narrativa principal, como se chegasse a uma descoberta por inteiro.

Essa artimanha narrativa pode cansar ao longo do filme, como se o espectador soubesse que há uma rotina muito clara dentro daquela obra, o garoto vai encontrar um outro personagem que contará sobre van Gogh, que o levará a outra figura que dará mais detalhes sobre o artista e assim por diante. As estratégias às vezes ficam muito aparentes, como o constante atraso no encontro com Doutor Gachet, que teria as respostas imediatas para as perguntas de Roulin, algo que parece uma necessidade para não terminar de uma vez com a narrativa, deixando evidente esse artifício narrativo. Todavia, se isso pode incomodar, de fato Com Amor, Van Gogh conquista nesse desejo de conhecer mais, a narrativa pode ser um tanto quanto fácil, mas essa jornada biográfica a van Gogh resulta num filme que vai além de sua técnica.

Com Amor, Van Gogh faz com que os flashbacks sejam em preto e branco, em passagens rápidas, sem diálogos entre os personagens, rastros das memórias de terceiros sobre o pintor. Enquanto na narrativa principal do filme encontra-se um rebuscamento nas imagens que cria, o espectador vê justamente obras de van Gogh ganhando vida, movimento, ressaltando a forma como a animação foi realizada. O longa ganha um aspecto em que o tempo consegue ser visto, como se as alterações de luz que van Gogh tanto se interessou se manifestassem diante do espectador. Isso porque a pincelada está sempre em movimento, porque traços de um quadro para outro mantém alguma diferença, deixando o longa inteiro em movimento.

O filme faz questão de deixar claro que há ali uma visão estética e bem trabalhada, não uma simples animação através de uma dificultosa técnica. Com Amor, Van Gogh faz questão de colocar movimentos de câmera, uma utilização de travellings, panorâmicas, para realmente mostrar toda sua capacidade técnica. Pensa cada transição entre narrativa e flashback para combinar o preto e branco da vida do pintor, com a investigação colorida deixada por van Gogh em seu trabalho pictórico. Um filme que certamente se rende a sua técnica, deixando-a em primeiro plano, mas fazendo com que isso esteja ligado ao íntimo de seu retratado.

Com Amor, Van Gogh é realmente uma experiência, algo que chama atenção pela a forma que foi realizado, e isso é conscientemente colocado. O longa-metragem realizado a partir de uma série de pinturas a óleo consegue fazer mais e realmente conquista por unir essa forma chamativa com a vida e obra de seu retratado, numa homenagem que faz com que se conheça van Gogh através da exuberância de suas pinturas. Com Amor, Van Gogh faz jus a toda sua fama imediata.

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