Críticas

Crítica | 15h17: Trem para Paris

Segundo e último longa-metragem em que o cineasta Robert Bresson trabalhou com atores profissionais, As Damas do Bois de Boulogne (1945), marcou o fim da relação do diretor com esse estilo de trabalho. O realizador francês buscava o complexo, porém não enxergava o complexo naquilo que o ator projetava. Adepto de um cinema que visava a autoria sem concessões, Bresson decidiu trabalhar com não atores, tendo nesse um dos suportes que o fez perenizar o seu cinema, comentado pela autenticidade de sua linguagem, possibilitada pelo absoluto domínio de seu meio de expressão. Ainda que transite por regiões periféricas, a associação cabe à nova produção de Clint Eastwood, 15h17: Trem para Paris, onde o veterano opta por trabalhar com atores amadores, porém sem obter sucesso em seu encargo.

Intrigado com uma história lida em um periódico, Eastwood encasquetou com o enredo ali exposto, maquinando um filme que mais tarde se tornaria o longa inspirado no livro The 15:17 to Paris: The True Story of a Terrorist, a Train and Three American Heroes, cujo apogeu narrativo se dá com o aparecimento de um terrorista dentro de um trem, onde três amigos, dois soldados e um piloto da Força Aérea, não medem esforços para deter o indivíduo tresloucado. A paixão pela história foi tão intensa que o diretor resolver convidar o trio, que enfrentou a situação e a relatou na publicação, para compor o seu novo trabalho.

Ambientada em duas fases, a obra acompanha a vida de Spencer e Alek (vividos, respectivamente, por William Jennings e Bryce Gheisar, quando pré-adolescentes) em Sacramento. Vítimas de bullying na escola e sofrendo com problemas de concentração, os amigos se sentem cansados de sua inadequação perante o sistema, entretanto a situação muda quando encontram apoio em Anthony (Paul-Mikél Williams), garoto expansivo e de atitudes safas, peça-chave para a perpetuação dessa amizade, que seguirá com as indecisões da fase adulta.

A maioridade chega, período em que a obra sofre um declínio por abordar de forma rasa as irresoluções das carreiras dos amigos, atribuindo a devida atenção somente à figura de Spencer, além de expor o tempo mal gasto de sua narrativa com cenas de viagens que, em meio a paus de selfie e conversas fiadas, concedem um ar parvo aos personagens, nos momentos que antecedem o atentado.

O ápice do filme está reunido em suas cenas finais, parte delas impulsionada por uma câmera convulsa, que pouco tem a dizer sobre a situação, soando como um recurso aleatório por não conferir estímulo ao momento do desastre. Além de falhar nesse aspecto, o longa se equivoca ainda mais ao condensar isso apenas em sua fase derradeira, apresentando instabilidade entre os atos.

Embora, ardilosamente, não invista na doutrinação do espectador, a obra acaba por enaltecer a fé cristã em cenas onde Spencer se prostra e se pronuncia em tom de súplica, e também numa voice over concentrada em seu terceiro ato, anunciando que mesmo com o avanço temporal da narrativa esse elemento persiste, sendo assim, o longa aborrece diante de tal insistência.

Animador ver o cartaz do filme Nascido Para Matar (Stanley Kubrick, 1987) presente no quarto de Spencer, ainda em sua pré-adolescência. Uma vasta coleção de armas de plástico e diabruras realizadas na casa de vizinhos são associadas ao personagem, que propõe a discussão a respeito da dualidade do homem, assim como na obra de Kubrick, que ostenta isso em Joker, papel defendido por Matthew Modine. Aqui, Spencer espelha essa característica, dado que o seu simbólico arsenal bélico colide com os seus momentos de devoção, da busca pelo regozijo, na tentativa de tornar o mundo um lugar pacifista tendo como função o auxílio ao próximo. Esses detalhes de composição são capazes de atribuir algum progresso ao filme, marcado pela má elaboração.

Encarnando a si mesmos, Spencer Stone, Alek Skarlatos e Anthony Sadler exibem alguma desenvoltura, porém não o suficiente para entregar um trabalho convincente. Talvez essa adversidade se sobressaia pelo fato de esse ser um território sem muita familiaridade para Eastwood, ainda que possua uma carreira longeva e, consequentemente, experiência não lhe falte. Contudo, a ausência de clareza em seus objetivos com os atores se evidencia pela transparência da artificialidade de boa parte das cenas.

Para Clint Eastwood, 15h17: Trem para Paris é um filme sobre o homem comum diante de um ato heroico, porém o longa atesta ser tão comum quanto o homem que resolveu retratar, com a desvantagem de não identificarmos na obra nenhum feito notável como o de ordem factual que inspirou a trama.

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