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Crítica | Feud - Piloto

A cena inicial do episódio piloto da aguardada série Feud traz Catherina Zeta-Jones como Olivia de Havilland comentando sobre a relação entre Bette Davis e Joan Crawford. Nesse momento, a personagem diz duas frases que com certeza darão o tom de toda a série, a primeira: rivalidades não são sobre ódio, mas sim sobre dor; e a segunda em que diz que a relação entre as duas atrizes tomou proporções bíblicas.

Feud, então, buscará compreender o que houve entre essas duas estrelas da Hollywood clássica, visando investigar essa rivalidade muito além do que foi tratado nos tabloides ou nas notas de curiosidades que hoje rondam a internet. A série retrata o processo conturbado de filmagens da obra-prima de Robert Aldrich, O Que Aconteceu Com Baby Jane? – longa que colocou Crawford e Davis em rota de colisão, sendo interpretadas aqui por Jessica Lange e Susan Sarandon respectivamente.

Este primeiro episódio trata dos momentos iniciais dessa jornada, que recolocou as duas no sucesso, como também acentuou a rixa entre elas. A narrativa do piloto concentra-se basicamente no desejo de Crawford em retornar ao estrelato após ver, de longe, a ascensão de novas estrelas, por exemplo, Marlyn Monroe. Seu quase desaparecimento de Hollywood começa a incomodar e ser esnobada por produtores é o pesadelo de quem algum dia já foi uma diva do cinema. A atriz passa a buscar projetos que façam uma mulher de sua idade brilhar, chegando, finalmente, no romance escrito por Henry Farrel, que colocava duas irmãs, antigas estrelas do showbusiness, num tenso encarceramento. Nada mais justo que convencer sua grande rival a participar desse jogo cênico que ultrapassa a ficção.

Feud, em pouco tempo, já se demonstra bastante inteligente. A partir de seus créditos iniciais, que usa um grafismo digno de Saul Bass e resume a trama de O Que Aconteceu Com Baby Jane? (fator que não deve impedir o espectador dessa série de procurar o magnífico filme de Aldricht), mas também por momentos de rara esperteza, como na cena em que Crawford convence o diretor Robert Aldrich (Alfred Molina) a realizar seu audacioso projeto, e os dois ouvem Autumn Leaves na voz de Nat King Cole, remetendo ao longa dirigido por este cineasta e protagonizado por Crawford que aqui no Brasil recebe o nome de Folhas Mortas (1956).

Se a esperteza desse primeiro episódio salta aos olhos, fica evidente que a série se sustentará muito pela dinâmica entre as duas protagonistas. Crawford é concebida por Ryan Murphy (diretor do piloto e um dos criadores da série) como uma mulher ao centro de seu universo particular, estando sempre no meio do quadro e ao redor de cenários grandiosos, como se a magnitude hollywoodiana nunca tivesse abandonado aquela senhora.

Todavia, se a representação criada por Murphy evidencia essa força, a atuação de Lange revela a face insegura da grande atriz americana. Basta uma frase que atinge Crawford para que se note uma voz mais tremida, ou um gole rápido e nervoso em sua bebida alcoólica, gestos que colocam aquela figura abaixo, chegando ao ápice quando diz, em seu camarim, numa conversa banal com os olhos marejados que deseja apenas ser respeitada por Bette.

Por outro lado, Davis é mais tórrida, como se sua potência devastadora fosse algo intrínseco a sua persona. Susan Sarandon cria uma personagem que impõe sua força através da voz, não uma imposição teatral, mas de um tom vocal que parece estar sempre um pouco acima dos demais atores, principalmente de Lange. Mesmo que Sarandon busque a mimese da fala da Bette Davis real, algo extremamente icônico, há nessa composição uma força cênica muito forte. Essa característica faz com que Davis seja a personagem que escancare a rivalidade, que mesmo aceitando o papel não consegue concordar com um jogo de conveniência, que lança comentários raivosos sobre sua colega de cena e que é capaz de bolar uma maquiagem impressionante para sua Baby Jane enquanto as lentes captam Crawford, para assim conseguir os holofotes mesmo quando é a vez da outra brilhar – em mais um grande momento visto nesse primeiro capítulo de Feud.

É justo e extremamente benéfico que a série aposte imensamente na força das atuações dessas duas grandes atrizes, ainda mais por se tratar da rivalidade entre duas estrelas durante a realização de um filme em que as performances são lembradas até hoje. É a hora de Lange e Sarandon brilharem. Evidente que num projeto como esse, que busca aprofundar-se nas figuras de duas antigas atrizes, a série necessite a todo momento contextualizar seu público acerca do período que retrata, concebendo momentos que parecem pura explicação, como a participação Kathy Bates, que narra gratuitamente algumas passagens da vida de ambas as atrizes. Outros momentos que funcionam perfeitamente são as cenas em que surge a figura de Hedda Hopper (Judy Davis) – a famosa jornalista sensacionalista que cobria os grandes furos dos astros da Hollywood clássica – possuindo algumas participações que provocam as protagonistas na mesma medida que oferece informações ao espectador.

Apenas nesses primeiros 56 minutos, nota-se uma força evidente nas figuras de Crawford e Davis, assim como em suas intérpretes (Lange e Sarandon), algo fundamental na busca pela dor que reside nas rivalidades. Provavelmente isso será a força motriz da série, mas pelo que pode ser visto Feud abordará outras questões desse momento marcante do cinema americano, como a ascensão da televisão, a crise dos estúdios de Hollywood e a descartabilidade das atrizes, assuntos já pontuados nesse episódio.

Só pelo fato de revisitar o grande O Que Aconteceu Com Baby Jane?, o nome de Robert Aldrich (um dos melhores cineastas da transição entre a clássica e a nova Hollywood) e a trajetória de Crawford e Davis, Feud já mereceria muita atenção, todavia parece que essa série de fato terá dimensões bíblicas.

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