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Crítica | Game of Thrones - 7ª temporada

No ambiente cultural de 2017, qualquer peça de arte e narrativa passa por um ciclo. É uma herança da cultura hipster, que tem raízes mais antigas do que se pode imaginar – mas de qualquer forma, o ciclo vai mais ou menos assim: primeiro, algo novo e excitante atrai algumas pessoas, que começam a espalhar a notícia; depois, conforme esse boca a boa vai funcionando, mais e mais gente vai se juntando ao exército de apreciadores do tal produto cultural, e no tráfego de informações da internet essa popularização se traduz em vulgarização; justamente por isso, o estágio seguinte é uma exposição e destaque dos piores defeitos desse produto cultural, deixando a impressão que tais defeitos só surgiram agora.

É muito fácil identificar esse ciclo em Game of Thrones, e as reações à sétima temporada foram o ápice do último estágio. De forma alguma este que vos fala seria capaz de argumentar que a série de David Benioff e D.B. Weiss é perfeita, mas os defeitos que existem aqui sempre existiram, de uma forma ou de outra, durante os sete anos em que ela está no ar. Os dois roteiristas foram brilhantes em traduzir os personagens intrincados e conflituosos da obra de George R.R. Martin, mas nunca souberam exatamente como fazer jus a eles (e especialmente a elas, as mulheres da trama).

É essa falha fatal que fica mais exposta na sétima temporada, que finalizou com um episódio explosivo nesse domingo (27). Intitulado “The Dragon and the Wolf”, o capítulo de quase 1h20 encontrou Benioff e Weiss em um de seus bons momentos, transitando por território familiar – eles sempre foram melhores em embates verbais do que grandes acontecimentos de trama. A primeira metade do episódio, concentrada nas negociações entre as rainhas Cersei (Lena Headey) e Daenerys (Emilia Clarke), e especialmente o devastador reencontro entre a primeira e seu irmão, Tyrion (Peter Dinklage), mostrou que, quando quer, Game of Thrones ainda é uma das séries mais geniosa e vitalmente escritas do nosso tempo.

Uma pena que isso tenha ficado em evidência tão pouco no decorrer da temporada. Ao escolher finalizar uma história que passaram 60 episódios construindo em apenas mais 13, Benioff e Weiss roubaram de si mesmos o tempo para desenvolver as relações desse terceiro ato com a mesma credibilidade e cuidado que emprestaram aos outros dois. O resultado são episódios em que os conflitos emocionais, racionais e temáticos da trama ficam relegados a diálogos passageiros a fim de mover a trama adiante (é o que aconteceu em “Eastwatch” – 7×05 – e “Beyond the Wall” – 7×06, certamente a pior dupla de episódios da série em muito, muito tempo).

É importante notar como Jon e Daenerys foram os personagens que mais sofreram com essa “correria”. A fim de encaminhar a série para sua conclusão, o Rei do Norte se tornou um retrato grosseiro de um herói romântico – embora seu senso de honra sempre tenha sido aguçado, as experiências que viveu durante as outras temporadas lhe ensinaram que um código rígido (como o da Patrulha da Noite, que ele abandonou) não é a reposta. Esse Jon, um líder heróico, mas complexo e humano, não apareceu na sétima temporada, assim como a Daenerys que caminhava entre orgulho e dúvida com um faro para injustiça social. Por isso, a junção dos dois em um casal parece tão desconfortável – não é nem por causa do incesto, visto que há literalmente dezenas de precedentes para isso na série. Nesse contexto de ficção, a trama romântica entre dois personagens mal escritos incomoda mais do que o fato de serem tia e sobrinho (e nem saberem disso).

Esse é o grande pecado da 7ª temporada de Game of Thrones, mas a idéia central aqui é: não acredite no hype. Nem pelo mais pessimista dos ângulos o épico da HBO é uma série ruim – suas virtudes superam e muito os defeitos. Lá no final da sexta temporada, escrevi um artigo dizendo que Game of Thrones era sobre três coisas: opressão, tempo e crença. Enquanto continua sendo sobre isso, ela é um pedaço sublime de narrativa – e esses momentos salpicaram todas as melhores decisões da temporada.

Veja a trama envolvendo Sansa, Arya, Bran e Mindinho em Winterfell, por exemplo. Em uma inteligente manipulação do espectador, Game of Thrones jogou com a nossa percepção sobre as duas irmãs Stark e quase nos fez crer que todo o desenvolvimento e amadurecimento delas seriam descartados em favor de uma tramóia política tola. Ao invés disso, a série nos forçou, em seu episódio final, a encarar esse amadurecimento (tempo), as dificuldades que o moldaram (opressão), e a conexão que passou a existir entre as duas por causa disso (crença). Tudo enquanto dava um final perfeito para um dos grandes manipuladores da série, em uma das cenas de morte mais francamente satisfatórias já entregues por Benioff & Weiss.

A mesma habilidade foi mostrada na elaboração da história de Cersei e Jaime, por mais que os dois tenham ficado para escanteio durante a temporada. O retrato dela como uma mulher que finalmente conseguiu o poder para se livrar dos simulacros pobres de feminilidade que precisava apresentar (opressão) é perfeito, auxiliado por uma atuação de Headey que se aproveita dos menores momentos para colocar a expressão certa e o detalhe certo na encenação. O conflito dele, por outro lado, com suas noções de honra recém-adquiridas (crença), e sua devoção à mulher que ama, muito embora perceba aos poucos como ela não o ama de volta, dão a essa relação o tom trágico e amargo de uma bomba que está a caminho de explodir desde que foi armada (tempo).

Quando se encontra de novo com esses temas e essas elaborações, Game of Thrones é absolutamente brilhante. Ajuda ter uma Michele Clapton no figurino, encontrando representações visuais para as jornadas dos personagens e seus efeitos no mood da série, assim como uma Deborah Riley que continua desenhando à perfeição o visual dos cenários e criando um ambiente crível mesmo quando o roteiro se arrisca a vôos mais improváveis (vide o dragão de gelo no final do último episódio, em que a Muralha cai – escrito como uma cena de videogame, mas executado com elegância e dignidade).

A verdade é que, com tudo isso e mais Ramin Djawadi evocando sentimentos e ambientes improváveis com sua trilha sonora magistral, Game of Thrones não conseguiria ser ruim nem se tentasse – mas continua sendo uma pena que, ao buscar o seu final com tanta sede e tanta celeridade, Benioff & Weiss tenham tirado da série sua qualidade mais preciosa: o fôlego, a paciência e o detalhismo que faziam suas palavras se levantarem do papel e ganharem vida.

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