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Olhar Geek #22 | Quem fez a CCXP especial foi você, e mais ninguém

Entre quinta-feira (01) e domingo (04) da última semana, a São Paulo Expo recebeu aquele que é considerado o maior evento geek da América Latina: a Comic-Con Experience. Este que vos fala teve o prazer de comparecer ao evento, de onde trouxemos algumas novidades quentinhas para vocês, e vivenciar o clima de confraternização, as proporções enormes e o cansaço absurdo que centenas de milhares de fãs enfrentaram para ter um gostinho generoso do que é uma Comic-Con de verdade.

O que se segue é uma coluna das minhas impressões e vivências dentro desse espaço único em que a narrativa da cultura pop é escrita, encarnada e ilustrada a cada segundo –ou, como uma das minhas entrevistadas, a Ellen, disse: “Eu acho que aqui a pessoa pode ser quem ela quiser ser”. Vale notar que a Ellen estava “fantasiada” (um termo que muita gente entendida de cosplay não gosta, então será a última vez que uso) de Deadpool ao lado do Guto, formando uma dupla das mais bacanas que encontrei na Comic-Con.

Ellen e Guto, a dupla Deadpool
Ellen e Guto, a dupla Deadpool

“Eu acho que fantasiado a gente é um personagem mesmo, a gente pode ser outra coisa. São quatro dias vivendo uma experiência completamente diferente”, comentou o Guto. Deadpool, como vocês podem imaginar, era uma escolha para lá de popular entre os cosplayers na convenção, mas cada um deles tinha sua própria história e seu próprio motivo. “Eu sempre gostei de Deadpool, eu comecei a ler HQ através das revistas dele. Eu sempre o achei o mais diferente, meio anti-herói e tal, sempre me identifiquei muito com isso”, me contou o Guto.

E esse é mesmo bem o espírito da Comic-Con Experience. Eu provavelmente vi dezenas de Arlequinas andando por lá, e nenhuma era exatamente igual à outra. Vi Arlequinas de 50 e poucos anos e outras de 10, Arlequinas mais magras que Margot Robbie e outras que desfilavam seu glorioso cosplay plus-size. Vi Coringas de todas as versões, de Cesar Romero a Jared Leto, e pelo menos alguns Negan’s e Carl’s masculinos e femininos vagando pelos largos corredores da São Paulo Expo com suas Lucille’s e tapa-olhos a reboque.

Fernando, o Finnick de Jogos Vorazes
Fernando, o Finnick de Jogos Vorazes

Quem faz são os fãs

Alguns leitores devem estar pensando: “Ah, mas o Caio só vai falar dos fãs?”. A resposta, caro leitor, é que provavelmente sim. Estandes bacanas não faltavam: foi uma oportunidade única ver de perto os figurinos usados em Rogue One por Felicity Jones, Diego Luna e Ben Mendelsohn, por exemplo, mas foi mais interessante encontrar com um Jedi a cada esquina. A exposição de figurinos e acessórios de Game of Thrones, assim como os capacetes dos novos Power Rangers, foi fascinante, mas não mais do que esbarrar com gente que só estava ali para ver as armaduras dos Cavaleiros do Zodíaco ou para esperar na fila a fim de entrar no painel com Vin Diesel, de xXx: Desativado.

A Comic-Con Experience não é um evento que se faz com astros ou grandes novidades, mas sim com a paixão dos fãs que, em sua maioria, nem estão lá para vê-las. “Tem o pessoal que vem para ver as coisas, e o pessoal que vem para se reunir com pessoas que gostam da mesma cultura que você. Tem outros eventos para isso, mas o maior de todos é esse”, me comentou a Gabiella, uma das muitas Arlequinas que encontrei por lá. Como evento, a CCXP vive e morre pela disposição, dedicação e desenvoltura dos fãs.

“Aqui no Brasil tinha o estigma do nerd, e o nerd que nunca conseguia se encontrar em nenhuma tribo. Aqui a gente consegue se reunir em um lugar, um evento só para a gente, com tudo o que a gente gosta”, definiu a Kamilla, que estava fazendo cosplay de Jade, uma das lutadoras duronas da franquia de games Mortal Kombat. “Eu adoro as pessoas e os estandes, os brindes, tudo… É muito especial aqui”. Quando pedi para tirar uma foto, a Kamilla fez uma pose de ataque – uma das coisas mais legais é ver como os cosplayers encarnam os personagens de verdade, aproveitando a liberdade que o ambiente traz.

Kamilla, a Jade de Mortal Kombat
Kamilla, a Jade de Mortal Kombat

“A oportunidade de conhecer pessoas que gostam da mesma coisa que você é incrível, mas as atrações são bem legais também. Tudo, é difícil ter um evento desse tipo, para esse público, aqui no Brasil”, definiu o Fernando, que se vestiu de Finnick, dos Jogos Vorazes, e lamentou que todo mundo achasse que ele era o Aquaman – especialmente porque, na edição passada da CCXP, ele de fato fez cosplay do rei dos oceanos da DC Comics. “Está mais do que provado que o Brasil consegue fazer uma Comic-Con e só vai crescer, certeza”, completou o Lucas, outro entrevistado.

De fato, essa é a terceira edição da CCXP no Brasil, e a cada ano a dimensão do evento parece aumentar. O que a CCXP é exuberante em números, no entanto, deixa um pouco a desejar em organização – e talvez seja por isso também que eu tenha escolhido contar mais sobre os fãs do que sobre qualquer coisa que encontrei por lá. O acesso aos painéis não só é complicado e lento, como não dá a oportunidade de quem ficou para fora de fato ouvir o que acontece lá dentro; além disso, a programação foi liberada pouco mais de 24 horas antes do início do evento, deixando pouco tempo para fãs e imprensa se planejarem.

Talvez esse problema tenha a ver justamente com o crescimento do evento. Uma das minhas entrevistadas, a Vivian (que estava de Elektra) deu uma boa ideia: “Poderia ter em outros estados também, né? A acessibilidade fica ruim, por exemplo, para as pessoas que são do Rio Grande do Sul ou de outras pontas do país”, disse. Essa descentralização já acontece nos EUA, onde diferentes fins de semana recebem Comic-Con’s em San Diego, Nova York, Rhode Island e mais algumas cidades espalhadas pelo país. Se o Brasil quer criar uma tradição de Comic-Con, é possível que seja um bom caminho a seguir (mas algo me diz que isso machucaria a prezada exclusividade dos organizadores).

Paulo Vitor (fazendo cosplay de Punho de Ferro) e Clara
Paulo Vitor (fazendo cosplay de Punho de Ferro) e Clara

Artists’ Alley

Vamos voltar a falar da parte boa, no entanto, e é simbólico que essa parte boa seja a Artists’ Alley, um local onde artistas de todos os tipos se reúnem para buscar vender seus produtos para os frequentadores da CCXP. Este que vos fala, por sua vez, saiu de lá com um exemplar de O Rei de Amarelo em quadrinhos, coletânea de histórias inspiradas ou adaptadas do clássico livro de terror de Robert W. Chambers, que por sua vez foi uma das principais referências da primeira temporada de True Detective. Valeu (muito) a pena visitar a Artists’ Alley em meio a um dia corrido, e dá para se sentir bem por ter apoiado a arte de tanta gente que se dedicou a esse trabalho.

Assim como a Artists’ Alley, a impressão que fica é que o melhor da Comic-Con Experience é o que vai até ela, e não o que ela nos oferece. Os jogos dos estandes são divertidos pelas pessoas que participam ou observam, andar pelos corredores a procura de algum canto ainda não visto nunca se torna entediante porque uma parada interminável de pessoas interessantes passa por você, e assim por diante. “Não tinha, antes dessa Comic-Con, uma coisa assim que chamasse a atenção do país inteiro, e isso é muito legal”, me disse a Clara, que estava com um amigo vestido de Punho de Ferro, próximo herói da Marvel na Netflix.

Thiago, o Superman brasileiro
Thiago, o Superman brasileiro

Eu não poderia resumir o espírito da Comic-Con melhor do que o Thiago, no entanto. Fazendo cosplay do Superman clássico de Christopher Reeve, o Thiago contou que havia comparecido nas Comic-Con’s anteriores na pele de personagens de Star Trek, mas esse ano tinha resolvido mudar. Dono do canal Diário do Capitão, onde conta novidades sobre a série de ficção científica mais célebre de todos os tempos, o Thiago me disse: “Esse é um evento que não tem raça, não tem religião, não tem nada. Todo mundo gosta de séries, de desenho, de animações. A gente se encontra para curtir isso”.

Foi bom estar nesse ambiente durante os quatro dias de evento, e também saber que ele estaria lá no ano que vem novamente. Eu nunca advoguei entretenimento ou narrativa pop como escapismo, e não é bem isso que acontece quando digo que a Comic-Con é um respiro do “mundo real”: é só que, dentro da mecânica de um local onde as pessoas de reúnem para viver sua paixão por essas narrativas, fica um pouco mais claro que elas são ferramentas de humanização e harmonização social. Como um escritor que lida com as frustrações e polêmicas desse mundo todos os dias, é revigorante voltar a acreditar que histórias nos unem mais do que nos separam. Obrigado, CCXP, e até o ano que vem.

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