Críticas

Crítica | Trumbo – Lista Negra

Roteirista e crítico de cinema têm algumas coisas em comum, como viver do que escreve. Porém, enquanto o primeiro escreve belíssimas histórias com as palavras, o segundo as usa para atacar as histórias criadas.
Após a Segunda Guerra, com o inicio e o aprofundamento da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética, quaisquer pessoas que tiveram ou tivessem algum tipo de contato com o Partido Comunista era considerada uma traidora.

Hollywood não escapou incólume desta perseguição insana aos ditos infiltrados na sociedade norte-americana. Uma lista negra – a do título – foi criada com o nome de inúmeros profissionais das mais diversas áreas do cinema. Muitos dos que lá trabalhavam tiveram suas carreiras interrompidas, e até destruídas por causa disso. Trumbo – Lista Negra é a cinebiografia de um dos maiores roteiristas da indústria cinematográfica dos Estados Unidos, Dalton Trumbo. Ele acabou fazendo parte desta infame lista.

1947. Los Angeles. O roteirista Dalton Trumbo (Bryan Cranston, da série Breaking Bad), um dos mais bem sucedidos da indústria do cinema até aquele momento, não tinha medo de enfrentar os chefões dos estúdios em prol de melhores salários para seus colegas de profissão. Afinal, eram eles que construíam os sonhos pelos quais todos iam às salas de projeção.

Trumbo era casado com Cleo (Diane Lane, de O Homem de Aço) e pai de uma menina e um menino – mais tarde ainda teriam mais uma garota. Ele e outros colegas realmente eram comunistas e alguns outros, como o ator Edward G. Robinson (Michael Stuhlbarg, da série Boardwalk Empire: O Império do Contrabando), eram liberais. Eles realmente faziam reuniões e piquetes em prol dos suas categorias.

Muitos daqueles profissionais acabaram denunciados pela Aliança da Indústria Cinematográfica pela Preservação dos Ideais Americanos (Motion Picture Alliance for the Preservation of American Ideals, em inglês) e pelo Comitê de Atividade Antiamericanas (ou, em inglês, House Un-American Activities Committee). Faziam parte da Aliança, atores e ex-atores, como respectivamente, John Wayne (David James Elliott) e Hedda Hooper (Helen Mirrer, de A Dama Dourada). Hedda acabou se tornando colunista de fofocas no jornal The Hollywood Reporter. Este veículo denunciou os integrantes da indústria que eram subversivos para época. Foram listados 10 nomes. Trumbo estava entre eles e acabou encabeçando o grupo. Eles acabaram sendo convocados pelo Comitê para deporem. Mas ao se negarem a falar, acabaram processados pelo Congresso dos Estados Unidos, e ao perderem em todas as instâncias, até mesmo Suprema Corte daquele país, acabaram sendo presos.

Trumbo – Lista Negra é sobre como o roteirista deu a volta por cima e acabou soterrando com uma pilha gigantesca de roteiros a perseguição movida pela aliança entre políticos de Washington e profissionais de Hollywood. Esta cinebiografia é baseada no livro Trumbo, de Bruce Cook. Quem a adaptou para as telas grandes foi John McNamara. Este é o seu primeiro roteiro para o cinema. Ele sempre trabalhou em televisão, ora em séries, ora em telefilmes. McNamara não teve muito trabalho com a história em si, porque ela já tem peso próprio por causa da genialidade de Trumbo e as circunstâncias dramáticas que o cercaram. McNamara, porém, querendo explicar algumas partes da história mais detalhadamente, como a Aliança e o Comitê, acabou deixando o filme um pouco arrastado. Isso compromete um pouco o longa, porque muitos poderão acha-lo um pouco cansativo e até chato.

Mas a direção do Jay Roach está muito bem. Jay é acostumado a dirigir mais comédias, com as franquias de Austin Power e Entrando Numa Fria. Um dos pouquíssimos dramas que dirigiu até hoje foi Recontagem. Também um filme baseado em fatos reais sobre os problemas com a contagem de votos após a eleição de republicano George W. Bush – que acabou sendo declarado ganhador – e o democrata Al Gore. Jay capricha na direção do atores e na diferentes atmosferas de algumas cenas do filme que parecem homenagens aos diferentes gêneros de produção, como o Noir e os de comédias. Trumbo – Lista Negra, em suas mais de duas horas, pode ser chamado de um longa que perpassa por vários sentimentos. Esta é uma das razões porque ele é rico, mas, também, com um ritmo um pouco lento.

Jay pôde aproveitar todo a habilidade de atores como Bryan Cranston, Helen Mirrer, Diane Lane e outros. Os três são destaques, porque, o primeiro é obviamente o protagonista da história. A construção do personagem realizada por Bryan está magnifica. Ele costuma ter trejeitos já de conhecidos pelo público, mas você vê ali, na tela, uma outra pessoa, o Trumbo de Bryan.

Diane Lane, ao fazer a esposa que acaba mantendo a família unida, apesar de todo o furação pelo qual passam, mostra uma mulher forte, mas ao mesmo tempo delicada. Que sabe como tratar os filhos e ajudar o marido, mas que não baixa a cabeça quando este perde a dele e acaba distribuindo bordoada entre a própria família.

Helen Mirren está nojentamente boa neste filme. Ao fazer uma ex-atriz, que com o passar do tempo e a diminuição de papéis acabou virando colunista de jornal, percebe-se que manteve a pose, mas a amargura pode não ser mais o que já foi um dia a faz se virar contra os próprios colegas e mesmo contra os chefões dos estúdios quando estes parecem pouco se importar com o que fazem os seus contratados.

O filme, até por causa da reconstituição de época impecável e primorosa, tem uma fotografia que lembra os filmes coloridos entre os anos 1940 e 1960. O diretor de fotografia, Jim Denault (A Escolha Perfeita 2, 2015), inclusive, saturou as cores do filme para se parecer com os dos antigos longas-metragens. Há toda uma série de referencias cinematográficas muito rica e espertamente colocada ali. Algumas cenas, como a da saída da prisão de Trumbo, lembram gêneros de filme, como o Noir.

Apesar de alguns momentos engraçados, em sua maioria, Trumbo – Lista Negra é um drama. Possivelmente até para não ficar ainda mais pesado e arrastado, a trilha sonora composta por Theodore Shapiro é apenas suave, sem reforçar ou pesar no drama. Poderia até ficar bom se, em alguns momentos, não precisasse realmente de uma trilha que reforçasse o peso do que estava sendo contado. E para evitar o arrastar da história, o editor Alan Baumgarten faz um edição rápida e sem efeitos. Alan acabou conseguindo atenuar um pouco o ritmo lento da história.

Dalton Trumbo acabou conseguido voltar a trabalhar normalmente em Hollywood até a sua morte e mostrou que muitos profissionais acabaram tendo suas carreiras e vidas destroçadas por causa de uma paranoica perseguição contra comunistas que acabou levando muitos, não só na indústria do cinema, a perderem tudo. Poucos sobreviveram a esta Guerra Civil fria interna nos Estados Unidos.

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