Críticas

Crítica | A Série Divergente: Convergente

O gênero ficção-científica, seja na literatura ou no cinema, prima pelo pessimismo com os quais os futuros do planeta e da humanidade são vistos. Um bom exemplo é o clássico Blade Runner (1982, que ganhará uma sequência em breve), no qual clones – chamados de replicantes – têm poucos ou nenhuns direitos como cidadãos e são caçados como párias e, ao lado de muita tecnologia, vemos muita miséria. Uma das raras exceções é a saga Jornada nas Estrelas/ Star Trek, onde o futuro é visto de uma forma otimista.

O gênero literário para os chamados jovens adultos (que, em inglês, é young adults, e também é conhecido pela sigla YA) tem tido de uns anos para cá boa aceitação por parte dessa fatia do público por tratar de temas como a entrada de jovens para a vida adulta e, consequentemente, todas as responsabilidades que isto acarreta. Há quem prefira chamar esse público de pós-adolescentes.

Independente da definição desse público, o gênero também engloba a ficção científica, cujo título mais famoso é a série de romances em três volumes chamada Divergente, de autoria da escritora estadunidense Veronica Roth, ela mesma uma jovem adulta.

Para aqueles que ainda não conhecem a história, em um futuro próximo, a sociedade é definida por sua personalidade e filiação social, não admitindo livre arbítrio. Essa sociedade é dividida em cinco partes que são chamadas de facções: Abnegação, Erudição, Audácia, Franqueza e Amizade. Uma jovem chamada Beatrice “Tris” Prior, nascida na Abnegação, transfere-se para a Audácia. Ela é uma Divergente, pessoa que apresenta aptidões para mais de uma facção. Divergentes são considerados uma ameaça pelo governo local, pois não podem ser manipulados ou persuadidos. Na Audácia, conhece seu instrutor, Tobias “Quatro” Eaton, por quem se apaixona. Ambos se revoltam contra o sistema local.

A trilogia Divergente, na verdade, não apresenta nada de novo. Pode-se perceber a influência da obra Admirável Mundo Novo, do escritor inglês Aldous Huxley (no que se refere a uma pessoa que não se encaixa no sistema local e é tida como uma pária ou ameaça. Foi adaptado para duas séries de TV, em 1980 e 1998); de Eu Sou a Lenda, do estadunidense Richard Matheson (esse pária ou ameaça começa a combater o sistema. Teve três adaptações para o cinema em 1964, 1971 e 2007); e de Logan’s Run, dos escritores estadunidenses William F. Nolan e George Clayton Johnson (a fuga do local onde impera o sistema para descobrir a verdade fora de lá. Gerou um filme em 1976 e uma série de TV em 1977). Como na maioria das obras de ficção científica, o pessimismo impera. Ainda assim, a trilogia Divergente foi um sucesso de público e crítica e sua adaptação para o cinema foi inevitável.

Em A Série Divergente: Convergente, após a morte de Janine, a população de Chicago é governada por Evelyn Eaton (Naomi Watts, de Birdman). Johana Reyes (Octavia Spencer, de Histórias Cruzadas), outrora aliad,a se opõe aos julgamentos sumários de seguidores de Janine feitos por Evelyn e acaba por se retirar junto com outras pessoas que pensam como ela. Tris (Shailene Woodley, de Os Descendentes), que chegou a ser convidada a fazer parte do novo governo, assiste a tudo impassível. Ela e Quatro (Theo James, de Anjos da Noite: O Despertar) decidem cruzar o muro que cerca Chicago para não só descobrir o que há além dele, mas também um jeito de parar com a carnificina.

Para essa jornada, Quatro liberta o irmão de Tris, Caleb (Ansel Elgort, de A Culpa é das Estrelas) e são acompanhados de Peter (Miles Teller, de Quarteto Fantástico), Christina (Zoe Kravitz, da série de TV Californication) e Tori (Maggie Q, de Padre), que morre durante a fuga. Descobrem um cenário totalmente destruído e desolado, mas também uma cidade de sobreviventes com alta tecnologia que se dedica à pesquisa genética e tem com um de seus comandantes, o aparentemente amável David (Jeff Daniels, de A Rosa Púrpura do Cairo), que tenta convencer Tris a permanecer na cidade, pois, como seu cógigo genético é considerado puro, ela pode ser a salvação da humanidade. Mas, Quatro desconfia.

Assim como os romances que o originou, A Série Divergente: Convergente também não trás nada de novo, a começar pelo cenário pós-apocalíptico (influência direta da saga Mad Max), além de heróis que se rebelam contra o sistema, fuga do local, etc. A direção do alemão Robert Schwentke (Red: Aposentados e Perigosos) é muito burocrática, tanto na direção de atores quanto nas cenas de ação que, aliás, igualmente não trazem nada de novo e não emocionam quase nada.

Seguindo a tendência geral, a trilha sonora de Joseph Trapanese (Tron: O Legado) também não acrescenta nada. A agradável surpresa vai para a boa fotografia do também alemão Florian Ballhaus (O Diabo Veste Prada), principalmente nas cenas de terra desolada que chegam a lembrar do planeta Marte tal como mostrado em fotos da NASA.

O elenco decepciona. A estrela da série, Shailene Woodley, está muito fria, quase sem emoções, embora melhore um pouco no final. Seu par romântico, Theo James, é eficiente nas cenas de ação e como galã, mas é inexpressivo. Uma ostra tem uma postura dramática melhor do que ele.

Quem vê a atuação de Miles Teller começa a entender porque Quarteto Fantástico foi o maior mico de 2015 (veja aqui). Ele é muito fraco e quando tenta bancar o engraçadinho, fica insuportável! Quanto a Ansel Elgort, Zoe Kravitz e Maggie Q, usando uma expressão popular, não cheiram nem fedem.

Quem acaba por salvar um pouco o filme são os coadjuvantes veteranos Naomi Watts, Octavia Spencer e Jeff Daniels. Naomi está bem como a líder que quer salvar seu povo a qualquer preço, mesmo que tenha que usar métodos pouco ortodoxos para isso. No mesmo nível está Octavia fazendo a líder ética e serena, só utilizando métodos violentos em último caso. Já Jeff, conhecido mais pelos papéis cômicos (como em Debi & Lóide) ou de bom moço (como em Totalmente Selvagem), está muito convincente como um vilão fingido e cruel.
Outro mérito do filme é o de tocar em um assunto muito atual no qual a vida acaba por imitar a arte: a separação da sociedade em grupos de “nós” e “eles”, os quais geram sentimentos de repulsa e ódio um pelo outro, que é um tema recorrente em várias obras de ficção-científica.

No filme, são os grupos rivais de Evelyn e Johana e os de genoma “puro” e “defeituoso”. Na vida real, vemos pessoas como o pré-candidato à presidência dos EUA, o magnata Donald Trump, querer proibir a entrada de muçulmanos e construir um muro na fronteira de seu país com o México. Na União Europeia, as reações xenófobas de vários europeus quanto á presença de refugiados em seu território. No Brasil, devido à grave crise política que passamos atualmente, temos a divisão de nossa sociedade em “coxinhas” e “petralhas” que, infelizmente, mostram uma intolerância e uma violência cada vez maior um para com o outro.

Assim como em Harry Potter e as Relíquias da Morte, o último volume da trilogia Divergente foi dividido em dois filmes tanto para aumentar as expectativas dos fãs quanto para, inescrupulosamente, gerar maior lucro. O último filme da série se chamará A Série Divergente: Ascendente.

A Série Divergente: Convergente é um filme feito principalmente para os fãs da trilogia. São eles que garantiram até agora o sucesso de todos os filmes. Ainda assim, quem não é particularmente um fanático pela obra de Veronica Roth, pode assistir A Série Divergente: Convergente como em um filme da Sessão da Tarde em uma tarde chuvosa quando não se tem mais nada para fazer.

Vamos torcer para que o último filme seja melhor, mas como dito anteriormente, em ficção-científica é o pessimismo que predomina…

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