Críticas

Crítica | O Sono da Morte

O gênero terror talvez seja o que mais acompanha certo preconceito, mas também grande fascínio. Com códigos bem definidos e que devem ser utilizados, cair no lugar comum é extremamente fácil e até mesmo utilizado por diretores e filmes que visam apenas uma aprovação do público. Com todo o peso de uma história do cinema e do próprio terror é admirável quem tente de alguma maneira reorganizar esses clichês do gênero e assim utilizar o terror para dialogar, para explicar questões que estão além da narrativa e do susto.

De certo modo, O Sono da Morte, de Mike Flanagan, encaixa-se nesse segundo aspecto. O filme conta a história de um garoto adotado por uma família que acabara de perder seu filho biológico, o que esses novos pais não sabem é que o menino tem o dom de transformar seus sonhos em realidade, mas também seus pesadelos. Assim o longa é, através do terror, uma espécie de investigação das articulações mentais de uma criança. Utilizando o macabro e o fantasioso para elucidar como aquela criança lida com sua realidade e seus próprios traumas.

E não que isso seja inovador, mas sim utilizar o gênero para solucionar um problema de ordem psicológica, aqui o terror é na verdade um facilitador para explicar esse labirinto da mente infantil. Assim, em seus pontos mais interessantes O Sono da Morte lembra bastante o que Tim Burton e Guillermo Del Toro fizeram com o gênero, o primeiro usando elementos do terror para explicar fatos e relações mundanas com o tom fantástico (Edward – Mãos de Tesoura, A Noiva Cadáver) e o segundo utilizando a fantasia do mundo da criança para através do horror solucionar questões infantis, como no excelente A Espinha do Diabo e até mesmo em O Labirinto de Fauno. O Sono da Morte com certeza visa esses dois mundos, principalmente em seu terceiro ato, onde toda essa fantasia, através do terror, se manifesta de maneira bastante interessante.

Acima de tudo, O Sono da Morte é um filme de terror, a fantasia que o longa produz não invalida o horror presente no filme, mas sim uma espécie de lados opostos de uma mesma moeda, nesse caso, sonho e pesadelo. Assim, é totalmente compreensível que do primeiro ato a boa parte do segundo, o filme tenha um andamento totalmente alinhado o que vêm se fazendo com sucesso (de público) no gênero atualmente, certo padrão James Wan de qualidade. Com isso, o que vinha sendo construído com ares até bem genéricos ganha em inventividade no restante da projeção, esse mundo onírico se manifesta de forma bastante interessante, convidando o espectador a um passeio no labirinto macabro que é a mente do protagonista.

Dessa forma, aqui não há o típico caso de filme vendido da maneira errada, em momento algum O Sono da Morte ilude o espectador apresentando algo que não seja o próprio terror, e em toda narrativa dos os códigos do gênero estão presentes. O filme tenta justamente trabalhar com essa dualidade do próprio sonho, tenta aos poucos se aprofundar no psicológico de seu personagem principal. Mas nessa arrojada decisão, parece que o longa tem certo receio de logo de cara evidenciar essa matéria fantasiosa, parece que o filme num primeiro momento quer agradar um espectador mais acostumado com o que vêm sendo feito nos filmes de terror.

Flanagan parece querer ganhar a confiança do público utilizando os recursos mais genérico dos longas do gênero, fazendo um filme que se demonstra pobre em algumas ideias visuais e narrativas, apostando demais naqueles sustos fáceis e numa concepção estética de seus monstros e cadáveres iguais a tantos outros filmes. Assim, é até surpreendente a construção da sequência mais forte de O Sono da Morte, em que o garoto encontra-se numa espécie de orfanato e sua mãe adotiva vai buscá-lo, e esta deve chegar até o menino enquanto ele tem seus piores e mais reveladores sonhos.

Neste momento a locação transforma-se na própria mente do garoto, a parte mais fantasiosa da narrativa vem à tona, não sendo menos macabra, e a personagem tem que solucionar cada pista dessa investigação psicológica, a cada provação uma ideia interessante como quando a própria mãe se vê na relação com o filho adotivo. Com isso é até difícil estabelecer uma coerência entre esses dois momentos fílmicos, parecendo que toda a construção dramática do primeiro terço de projeção pouca se conecta com aquele desfecho. O Sono da Morte parece ter medo de se entregar as suas ideias e nessa sua inconsistência tenta agradar da maneira mais fácil, esquecendo-se das suas particularidades, que são os pontos altos do filme.

Essa disparidade entre os eixos que o filme atua acaba prejudicando O Sono da Morte em termos narrativos também. O filme em seu desfecho precisa de maneira apressada explicar tudo o que seu primeiro ato não queria entregar. Muito disso ocorre, pois essa busca pelo susto, pela tensão inexplicável, faz com que o roteiro concentre-se apenas no ponto de vista do casal, que sabe apenas os problemas aparentes daquele garoto.

Assim, o filme não se aprofunda logo de cara no psicológico daquela criança, prefere esconder os detalhes na crença de um final surpreendente. O que poderia funcionar, demonstra-se como uma falta de compreensão da narrativa, uma vez que os fatos importantes para aquela condição fantasiosa, o fator chave para abertura do fantástico e do macabro, seja revelada apenas nos minutos finais, através de um diálogo extremamente verborrágico seguido de flashbacks que apenas ilustram algo que poderia ter causado uma grande empatia se revelados desde o início.

O Sono da Morte, desta forma, parece um filme recheado de ideias e de grandes pretensões, mas que não consegue levá-las adiante, muito por querer, em grande, parte reproduzir o estilo e a forma dos grandes sucessos do momento. Assim, torna-se um longa que fica em cima do muro nesta questão, fazendo de tudo para agradar certo público com clichês básicos do gênero, não saindo da zona de conforto do terror. No entanto, é quando tenta subverter os códigos do gênero e utilizá-los para pensar e refletir as condições psicológicas de seus protagonistas, que se revela interessante.

O Sono da Morte é um filme que aparenta certa covardia em se livrar de vez de uma narrativa já premeditada, mas que compreende após algum tempo a complexidade que o terror pode ter. No final, o terror pode ser muito mais interessante do que aparenta.

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