Críticas

Crítica | A Lei da Noite

Ben Affleck desponta como uma figura interessante no cenário hollywoodiano. Muito em função de sua persona como galã do cinemão americano, Affleck vem conseguindo fazer filmes bem particulares com sua autoria.

Desde o alcance da excelência dentro do cinema de gênero com Atração Perigosa (2007) até uma realização visando claramente as grandes premiações como Argo (2012), todos eles contém uma espécie de tráfico de ideias, características muito comum dos grandes nomes do cinema americano, que se utilizam de formas e narrativas populares para colocar assuntos e temas importantes no subtextos de suas obras. Com a Lei da Noite não é diferente, e Affleck realiza aqui seu projeto mais ambicioso nesse sentido.

É verdade que essa pretensão tem seus preços, algo que possivelmente o astro hollywoodiano terá que pagar em seus próximos projetos, vide a má recepção da crítica, público e das premiações perante A Lei da Noite. Todavia, é injusto com a própria obra fechar os olhos para os méritos que ela carrega, embora seja um filme repleto de irregularidades, Affleck traz uma série de boas questões que são colocadas ao longo da produção.

Vale ressaltar que A Lei da Noite parece muito mais um filme de boas intenções do que uma obra completa. O longa parece ter ideias sempre interessantes que saltam nas telas como se ainda estivessem num bloco de rascunho. Essa característica aponta para duas particularidades, a primeira e mais óbvia é essa irregularidade contida no filme, a outra é que por essas ideias ainda estarem tão frescas, elas surgem com muita força, com muita evidência, deixando A Lei da Noite no mínimo interessante.

Através da história de Joe Coughlin, um filho de inspetor de polícia que se envolve com a máfia e parte para Flórida a fim cuidar da entrada de bebidas alcoólicas e realizar uma vingança pessoal, o filme é uma espécie de crônica da construção da identidade americana. Para isso, Affleck faz uma espécie de revisão dos mitos fundadores dos EUA, o resgate ao filme de gangster na sua forma mais purista é uma confirmação desse objetivo. O longa retoma esquemas e códigos narrativos muito particulares desse gênero cinematográfico que teve seu auge nos anos 1930 e 1940, o que Affleck deixa claro com suas opções é a tentativa de fazer uma investigação dessas raízes americanas a partir do cinema.

Existe no filme, portanto, essa necessidade em reviver tudo que há naquele gênero. Esse sentimento toma conta tanto do tom da narrativa, que muitas vezes lembra um conto moral, quanto da estética do longa que parte de uma releitura totalmente estetizante do filme de gangster, com uma direção de arte que recria de maneira primorosa os tempos da proibição das bebidas alcoólicas, isso aliado à uma direção rebuscada que cria uma aura em torno daquele mundo, propondo uma reconstrução estética daquele mundo – algo que se viu com muita força no cinema americano da década de 1970.

Assim, A Lei da Noite em muitos momentos lembra de alguma forma o cinema de Michael Cimino, no sentido de explorar as estruturas americanas através dos mitos criados pelo cinema, num estilo que fica muito entre uma reconstrução completa do passado clássico de Hollywood unido a uma modernização desses cânones a partir da estética – como na obra prima de Cimino, O Portal do Paraíso (1980). E algo que Ben Affleck pode compartilhar com O Portal do Paraíso é o fato de parecerem terem sidos realizados num momento histórico errado.

O filme de Affleck tenta colocar uma série de questões válidas por baixo de sua narrativa de gênero, enquanto que os filme que tem sido valorizados no momento são aqueles que escancaram de fato os temas que se propõem a debater – vide os indicados ao Oscar. A Lei da Noite também não é um filme cru em seu estilo, ou simplesmente artesanal onde sua narrativa é o grande ponto do longa, mas sim parte de um pretenso rebuscamento estético. Além de tudo, há a presença desse fator de reconstrução de um cinema do passado, não na chave da referência ou da nostalgia – como em La La Land, mas sim de uma tentativa de refazer um estilo particular de gênero clássico para passar sua mensagem. Todos esses são fatores que colocam A Lei da Noite num local distante da popularidade ainda que veicule ideias interessantes.

Assim, o filme traz questões importantes à respeito do cenário atual por baixo desse visual de filme de gangster dos anos 1930. O longa trabalha muito bem a questão dessa metáfora da construção de um império do crime como se fosse a criação da própria nação americana, em que a identidade dos EUA já nasceria da corrupção e da violência. É curioso como o filme em muitos momentos se aproxima de um conto moral em que o bandido vai criando a consciência de seu papel violento na sociedade, e, assim, vai tentando virar esse jogo moral. Nessas circunstâncias, nota-se dentro da trama um papel fundamental de negros e latinos tanto na consolidação de um estado que vivia no pântano, quanto nessa redenção do protagonista (principalmente no papel de Zoe Saldana, esposa do protagonista), os imigrantes não só ajudam a construir aquela nação como também conferem valores a ela.

Nessa interessante análise dos EUA, há certos pontos em A Lei da Noite que impedem o filme alçar vôos maiores. A primeira é que nessa tentativa de criar tantos subtextos o filme parece nunca concluir seus pensamentos. A teia de temas construídas por Affleck em seu roteiro faz com que haja uma dispersão em A Lei da Noite, se Raul Walsh e Howard Hawks em seus clássicos do cinema de máfia traficavam ideias e analogias, isso era passado de forma exemplar porque estava aliado a uma narrativa muito coesa e eficiente.

Aqui ocorre o oposto, Affleck parece colocar sua narrativa em segundo plano, num filme que tenta propor muito, mas dificilmente chega a algum lugar. O longa é arrastado, cheio de momentos em que se vê a necessidade de de explicar uma série de informações, além de construir uma narrativa bastante óbvia que telegrafa tudo o que vai ocorrer, quando uma personagem é introduzida já fica claro que aquele ser será importante, mesmo que não seja a intenção da cena.

Dessa forma, se há boas ideias no longa de Affleck, se há um desejo de reconstruir um passado cinematográfico para falar do presente, A Lei da Noite é um longa que parece incompleto, que não conclui suas temáticas ainda que essas sejam bastante interessantes. Ben Affleck faz um filme a sua maneira, e nesse percurso realiza acertos e erros, e por se distanciar de tudo que está fazendo sucesso ultimamente esse último ponto está sendo mais ressaltado, talvez com o passar do tempo A Lei do Tempo cresça quanto filme. Agora a questão que fica é se Ben Affleck, o queridinho de Hollywood, pagará por sua pretensão.

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