Críticas

Crítica | Comeback: Um Matador Nunca se Aposenta

O cinema de gênero causa certo fascínio aos cinéfilos, são esses filmes que certamente apontam o caminho para cinefilia e pelo gosto do cinema. São os longas de gênero que, de repente, passando despretensiosamente numa tarde na televisão, mostram-se esteticamente interessante, engenhosamente narrado e cheios de questões colocadas para o espectador. O cinema de gênero, às vezes com cara de comercial, revela uma infinidade de autores, que colocam em suas obras uma visão de mundo e de cinema muito particulares. O cinema policial com certeza é um desses, trazendo ao mundo cinéfilo nomes como Michael Mann, William Friedkin, Don Siegel, entre tantos outros.

É justamente esse estilo, esse gênero e esses cineastas que Comeback mira, muito de homenagem, muito de referência, o primeiro longa de Erico Rassi revela toda uma formação cinéfila. Comeback possui a cada plano o peso de um tipo de cinema muito presente no imaginário de quem ama os filmes e todas suas expressões. Um filme policial, sobre um matador de aluguel aposentado, desejando um retorno triunfal para sua antiga profissão, numa cidade do interior do país – algo que parece ter saído de um faroeste revisionista de Sam Peckimpah. Toda uma herança do gênero se encontra lá, bem marcada, bem presente, embora nem sempre colocada de maneira tão eficiente.

Desde seu título é sentida a dificuldade de transpor esse imaginário cinéfilo primordialmente americano para a realidade brasileira. Essa talvez seja a maior dificuldade em fazer cinema de gênero por aqui, dosar esse ritual antropofágico entre apropriar-se dos códigos criados por uma cinematografia estrangeira com traços locais. Muitas vezes o que ocorre é apenas encapar uma narrativa toda construída pelas bases dos clichês e convenções estrangeiras com imagens brasileiras. Embalando com imagens de cidades visivelmente nacionais uma narrativa alinhada a tudo, menos ao cinema brasileiro.

Por muitas vezes é o que parece fazer o thriller Comeback, as imagens da periferia de uma cidade interiorana fazem com que o filme mais se situe no Brasil, do que realmente trabalhe alguma ideia de brasilidade. As comunidades estão lá, a abordagem da mídia sobre a violência nos subúrbios também, mas isto surge muito mais como uma caracterização, do que algo que realmente dá substância a obra. Algo que incorporaria as convenções do cinema de gênero para realizar uma obra puramente brasileira, ocorrendo justamente o contrário, a utilização de imagens brasileiras para trazer uma história já vista em tantas outras filmografias. Comeback é um filme sobre um pistoleiro que quer voltar à ativa, apenas isso.

É bem verdade, que muito disso se deve a uma espécie de devoção por parte do realizador para com os filmes que o inspiraram. Como se houvesse uma necessidade de colocar todas as referências e gostos pessoais dentro de uma só obra. Comeback, dessa forma, acaba contagiado por esse pensamento cinéfilo, sem que isso seja organizado para construir uma nova narrativa. Um filme que homenageie, que referencie, mas que trabalhe essas obras já cristalizadas para construir algo minimamente novo, minimamente único.

De fato, o diretor e roteirista Erico Rassi é bem intencionado, em nenhum momento parece que Comeback deseja ser apenas um filme genérico, com pretensões puramente comerciais, ou um cinema de pura emulação de grandes clássicos do cinema policial. O longa e seu realizador buscam achar pontos que façam de Comeback um filme único, há uma consciência estética na obra, uma melhor forma de transmitir aquela narrativa através de suas imagens, e muitas vezes isso surge de forma oposta do cinema policial atual. O uso elegante do zoom, que introjeta o espectador dentro do próprio quadro fílmico, fazendo num mesmo plano, duas composições esteticamente interessantes. Ou até mesmo como soluciona suas linhas do roteiro, em um momento em que o protagonista cometerá um crime e a câmera fica do lado de fora do estabelecimento que ocorrerá, ouve-se os tiros, as luzes da metralhadora saem pela janela do local. Uma forma interessante de mostrar aquela ação, sem explorar sua violência, sem ser sensacionalista, mas sim bastante elegante, cinematograficamente falando.

Embora esses momentos sejam marcantes em Comeback – algo que já deve colocar o nome de Rassi em evidência, o filme sofre por ter a necessidade de sempre buscar esse traço estilístico muito forte, como se toda a cena devesse conter essa potência estética, algo impossível em qualquer obra. O quê coloca Comeback em dissintonia, como se buscasse a cada plano equiparar-se aos filmes que homenageia. O longa passa da homenagem ao peso de se conectar com uma memória cinéfila tão presente.

Algo que também enfraquece a mise-en-scène de Rassi é seu próprio roteiro, que contando uma história tão presente nesse estilo cinematográfico, não consegue ir além e se aprofundar no íntimo de seu personagem, protagonizado pela lenda Nelson Xavier. Com a narrativa um tanto quanto esparsa, Xavier parece perambular pelas ruas de sua cidade interiorana até que de repente volta ativa, sem nada que o provoque, sem uma investigação desse impulso por sua profissão. O pistoleiro de Comeback é uma figura muitas vezes plana que diante de uma narrativa sem muitos conflitos externos, não apresenta seus demônios internos, algo que dificulta o trabalho de Xavier (em seu último papel) e enfraquece a direção de Rassi.

Comeback é uma tentativa, um filme que muitas vezes não parece pronto. Não tecnicamente ou esteticamente falando, mas sim em seus preparativos conceituais, em conseguir organizar suas referências sem que isso surja apenas como uma emulação de um cinema estrangeiro, que consiga trazer seu repertório nacional para o centro da sua obra e, por fim, que trabalhe de forma profunda seu protagonista. Comeback resulta numa obra regular, cheia de boas intenções, mas que não alcança sua completude, embora possa oferecer outras oportunidades para seu cineasta e seu vasto repertório de filmes policiais.

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