Críticas

Crítica | Um Instante de Amor

O sexo, ou no mínimo o impulso sexual é um tema extremamente presente no cinema desde sua criação e os primeiros filmes, e não falando do cinema pornográfico, mas sim do cinema num geral, seja ele o narrativo ou o experimental. Um Instante de Amor transborda essa pulsão sexual, um filme em que o sexo se faz como centro do filme.

O longa começa com um aspecto bastante importante pelo fato desse desejo se dar numa perspectiva completamente feminina. Não só por sua protagonista, mas também pela realizadora, a diretora Nicole Garcia, que participa também da feitura do roteiro do longa. Um Instante de Amor transborda essa feminilidade, não da maneira superficial nem com aspecto senso comum, Um Instante de Amor conecta-se com o íntimo de seu tema, conseguindo alcançar o mais preciso daquilo que o filme se trata. Por essa intimidade Um Instante de Amor ganha contornos universais.

O longa acompanha a trajetória de uma mulher, Gabrielle Rabascal (Marion Cotillard), em pleno anos 1950 na França, mostrando sua falência amorosa e principalmente sexual. Um filme que evidencia as repressões do corpo e principalmente dos desejos femininos. Gabrielle é uma mulher que não compreende as amarras imposta sob ela, que não entende como a forma com que lida com suas paixões é tão criminalizada e por isso é fada ao desamor.

A protagonista salta de encontros e desencontros amorosos, uns repreendidos pela sociedade, outros por mera indiferença de seu affaire, assim a personagem não consegue entender seu amor apenas como uma tarefa social, sendo incapaz de se entregar para um marido arranjado, que uma vez pagou seu dote. Nessas circunstâncias, Um Instante de Amor faz uma representação muito interessante da mulher, como se a filmasse com os olhos da época, provocando certa histeria em relação àquela figura feminina. Fato é que ao contrário de comprar essa imagem, a diretora faz com que o público compreenda aquela suposta histeria, uma repressão incessante de algo extremamente natural e, sem sombra de dúvidas, belo. A histeria de Gabrielle é algo imposto por sua família, sua cidade e os homens a sua volta.

O longa estabelece alguns pontos bastante interessantes entre esse sentimento íntimo da personagem com suas interações sociais. Por exemplo, uma relação bem interessante apontada, é a comparação entre a prostituição e o próprio casamento. Gabrielle, por falta de amor, recusa-se a manter relações sexuais, permitindo-o que ele mantenha contato com as prostitutas da cidade. O longa sugere a comparação entre um serviço sexual com o próprio papel de uma esposa, principalmente naquela época, como se aquele dote pago por um homem desse certos direitos a eles, como um mero serviço, assim como a própria prostituição.

Assim, o filme vai estabelecendo essas relações entre o desejo, algo natural, e a repressão, algo colocado pelo homem. Nessa relação dialética e conflitante, a diretora constrói uma beleza tanto no corpo de Cotillard quanto nas belas paisagens francesas, como se a natureza fosse sensual, como se a beleza estivesse ligado a um componente que não cabe ao homem reprimir ou enclausurar. O sentimento que o filme passa é que a diretora apenas ligou sua câmera e a beleza (dos corpos, ou da natureza) se manifestou diante dela. O desejo é simples, é comum, é natural e o longa capta muito bem essa dinâmica.

Assim como estampado em seu título, o grande ápice do longa é este instante de amor. Em certo ponto da narrativa, Gabrielle vai tratar de uma pedra do rim (com certeza uma somatização de sua repressão) numa casa de repouso no interior. Ali, ela encontra André Sauvage, um militar passando por uma grave doença, ela se apaixona, muito mais do que pelo home, ela se apaixona pela possibilidade de amar, de estar num ambiente que o amor pode surgir, pode ser visto como algo natural. A escolha de Louis Garrel para esse novo amante é bastante significativa, o ator é um grande galã do cinema francês e no filme é como se encarnasse a figura de um deus do amor. Ele possibilita que Gabrielle encontre o amor e não nele, mas nela, algo que surge não como uma muleta – o homem dando suporte para o objetivo feminino, mas sendo um caminho tortuoso até essa autoconsciência. Essa é uma chave importantíssima para entender o longa de Nicole Garcia.

Se nesse momento Um Instante de Amor chega a seu ápice, culminando numa belíssima cena, fotografada com excelência, entre Cotillard e Garrel. Todavia, o filme tem seus percalços para chegar até esse momento e depois para desenvolvê-lo. O longa pode ser dividido em três: antes do tratamento, depois do tratamento e após esse período. Se o meio é a grande força do longa, antes Um Instante de Amor se arrasta como se fosse necessário mostrar todos desamores nos mínimos detalhes, sem entender a força das elipses dramatúrgicas. A sensação é que algumas informações apresentadas não são necessárias para aquele desenvolvimento.

O último terço do filme é bastante interessante e aborda como, após conhecer o amor e seu desejo, Gabrielle lida com a volta a sua realidade. Ainda que isso seja muito interessante e é daí que brota esse autoconhecimento sobre seu corpo e seus impulsos, o filme aposta numa espécie de surpresa narrativa, que até pode causar alguma sensação no espectador, no entanto, surge como algo a fim de aparentar uma suposta inteligência narrativa. Um Instante de Amor possuía uma grande delicadeza ao abordar seus temas, mas se rende a um artifício de roteiro para conquistar seu espectador.

Esse plot twist, essa artimanha narrativa surge de forma forçada, colocada às pressas depois de longos minutos de investigação íntima de uma personagem. A impressão que resta é que Um Instante de Amor surgiu de várias ideias e nenhuma delas fora abandonada. Assim, há uma investigação psicológica e um filme de articulação narrativa, evidentemente um sobressai ao outro.

O que deve ser ressaltado, ainda que o longa possua suas irregularidades, é essa sua consciência em relação aos temas que aborda. E não de forma que deixe apenas sua mensagem em evidência, o filme de Nicole Garcia não desperdiça sua força cinematográfica, pelo contrário consegue traduzir o íntimo de suas personagens através de imagens e da essência de seu texto.

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