Críticas

Crítica | O Castelo de Vidro

Nenhuma atitude está isenta de um peso do tempo, algo realizado com ar heroico hoje poderá muito bem ser totalmente desconstruído tempos depois. Todavia, nessa relação nada fácil, o olhar de quem narra essas atitudes também será um fator fundamental na mudança de um ato passado. Essa é uma lógica presente em todo O Castelo de Vidro, não só por ser uma narrativa que mescla diversas temporalidades, mas por ser uma conexão de diversas leituras sobre uma mesma atitude, marcado por um registro que parece provir de uma incapacidade de apresentar um novo olhar.

O longa narra a história de uma família rodante, que cria seus filhos de maneira atípica, sendo contra os sistemas principalmente de educação, saúde e financeiros. O filme é narrado por uma das filhas do casal anos mais tarde, já adulta e tendo uma vida bem diferente da sua quando criança. Jeannete (Brie Larson) relembra do que ela e seus outros três irmãos passaram naquela família disfuncional, mas mais do que isso, completamente diferente de como o mundo se apresentava naquele período.

É necessário compreender que aquela narrativa que se passa em meados nos anos 1960/1970 é recontada pela protagonista num outro tempo, nas décadas 1980/1990. Se a afirmação pode ser óbvia, também deve ser levado em consideração que no jogo entre essas memórias há dois espíritos do tempo que se digladiam a todo o tempo. As mudanças passadas por aquelas sociedade fazem com que seja quase impossível a convivência da nova Jeannete com sua família. A passagem dos anos 1960 para os 1970 é marcada pela contracultura, pela utopia na crença da possibilidade de um mundo diferente daquele que se apresentava, marcado sobretudo por ações – as mais radicais possíveis – para que isso pudesse acontecer. Os Walls propunham isso no âmbito familiar, tentando plantar essa célula contracultural no seio familiar.

Por outro lado, os anos 1980 é o período onde finalmente a sociedade de consumo apresenta-se como a única opção viável, onde a Guerra Fria se arrasta para o fim e o capitalismo sai triunfante, apenas remodelando seus sistemas vigentes. Agora aquele é um mundo dominado pelos yuppies e por uma geração que almeja subir na vida e conquistar seus status, Jeannete é um exemplo desse seu tempo. Apesar de serem vivências próximas, cronologicamente falando, essas são duas visões de mundo completamente divergentes, O Castelo de Vidro surge do confronto entre esses olhares tão antagônicos. Tão opostos que surge um abismo entre a vida dos patriarcas Walls e de sua filha narradora. Esse espaço em branco será ocupado por uma terceira visão, a do realizador Destin Daniel Cretton, esse olhar constitui mais uma temporalidade e é munida dos aparatos cinematográficos.

Assim, o mais interessante é entender quais são os percursos realizados pelo diretor nessa dificuldade em encontrar uma espécie de olhar conciliatório entre visões tão distintas. Talvez essa seja a função dessa direção, desse filme e quem sabe até desse tempo presente. É curioso como se a mesma história fosse filmada nos anos 1970 esse filme teria todas as características da Nova Hollywood, colocaria na estética a subversão e a contradição entre família e sociedade num típico road movie americano. Poderia também ser filmado como um exemplar do cinema indie contemporâneo, onde a leveza nostálgica tomaria conta dos dramas familiares e a semi-marginalidade seria quase celebrada e quase criticada.

O longa opta por um terceiro viés, onde assume essa quase conciliação. O Castelo de Vidro se isenta e opta pelo melodrama, esse olhar conciliatório surge pela dramatização familiar, onde o problema social e político são relegados ao segundo plano, ou até mesmo a um terceiro. A trama ganha contornos de superação, em que Jeannet é uma mulher que soube amar seus pais, que sobreviveu da displicência deles e agora luta para conseguir perdoá-los. Nessa lógica, os conflitos que são extremamente potentes são apresentados de forma extremamente palatáveis e recheados de uma chantagem emocional.

Destin Daniel Cretton, roteirista de A Cabana e diretor de Temporário 12, realiza uma obra sem muita inspiração no que diz respeito aos recursos cinematográficos. Um sintoma desse desejo por não escolher nenhum dos lados, por querer focar num drama que atinja o espectador. Nessa condição e sua direção correta, há um abuso da música melodramática, nas cenas exageradas e numa subserviência ao roteiro. Momentos que surgem apenas para evidenciar coisas escritas, num didatismo bastante óbvio, como quando a protagonista finge ter outros pais, algo salientado ao longo de toda a cena.

Felizmente, O Castelo de Vidro é marcado por duas presenças centrais, Brie Larson e Woody Harrelson, a filha e o pai. Um conflito incessante, duas forças centrais que suscitam e materializam essa contradição das duas visões. Larson e Harrelson chamam o filme para si, colocam esse conflito em evidência e tiram aquilo que tentou ser apaziguado. É no orgulho violento de Harrelson e no ressentimento de Larson (orgulho da utopia, ressentimento pelos atos radicais do pai), que esse conflito de gerações fica exposto. Se o filme tenta jogar panos quentes a todo o momento, os atores demonstram e escancaram o abismo entre essas visões temporais.

Se O Castelo de Vidro pode por muitos momentos desejar se afastar de qualquer polêmica, de querer tomar pouco partido e apenas dramatizar situações bastante complexas, beirando o melodrama recheado de chantagem emocional. O longa conta com dois intérpretes que realmente compreendem aquela situação, jogando a luz necessária para aquela história. É Woody Harrelson e Brie Larson que complementam esse jogo de olhares e visões aos atos do passado.

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