Críticas

Crítica | Em Busca de Fellini

Federico Fellini é um cineasta extremamente canônico, talvez um dos que mais possua essa característica, fazendo com que os livros sobre o cineasta sempre sejam realizadas a partir de uma exaltação pouco sincera, sem uma devida análise crítica de sua obra. É inegável as qualidades de um dos mestres do cinema italiano, mas quase tudo o que se fala de Fellini vem atribuído desse sentimento nostálgico e exaltante que muitas vezes transforma o trabalho do cineasta numa simples e pura marca de indulgência. Talvez seja isso que dê a tônica ao longa Em Busca de Fellini, ainda que de forma inconsciente.

O filme dirigido pelo estreante Taron Lexton e roteirizado por Nancy Cartwright – famosa por dar voz ao Bart Simpson – e pelo pouco conhecido Peter Kjenaas constrói uma cartografia bastante ingênua e pouca construtiva sobre esse cineasta e sua relação com a personagem. Numa espécie de exibição felliniana para iniciantes que mal consegue realizar sua narrativa e muito menos a homenagem ao cineasta.

O longa conta a história de uma garota que viveu sobre extrema proteção de sua mãe até os 20 anos de idade, sendo preservada de qualquer mal que a vida poderia lhe causar. Dessa forma, a protagonista Lucy (Ksenia Solo) sempre foi afastada de qualquer realidade, vivendo a base das fantasias que sua mãe criava, construindo um mundo recheado de filmes e histórias fantásticas, tudo longe das coisas que aconteciam do lado de fora da sua casa. Após descobrir a doença de sua mãe (Maria Bello), a garota finalmente sai de sua casa rumo à cidade grande e ali quase sem querer descobre o cinema de Fellini, apaixonando-se à primeira vista pelo cineasta e seu mundo, fazendo com que algo extremamente bizarro, sombrio e dramático invada seu mundo sem sair da fantasia. O longa então acompanha a garota vendo todas as obras do cineasta italiano e decidindo partir para a Itália, a fim de conhecê-lo.

Fato é que essa diferença entre o mundo de Lucy e Fellini seja marcado por uma evidência visual extremamente forçada e pouco trabalhada. Algo que parece propor um universo mais próximo ao de Tim Burton do que daquele cineasta italiano, como se sua obra se resumisse apenas a esse fator onírico potente. Numa visualidade fácil, a vida de Lucy na América é construída como se fosse uma peça publicitária dos anos 1990, com cores extremamente saturadas, uma luz amarelada, quase um comercial de margarina. Enquanto o mundo felliniano é marcado pelo sombrio, por figuras estranhas que invadem a narrativa, por um bizarro constante, presente nos sonhos e devaneios da personagem principal.

Ainda há o momento em que a personagem vai para Itália procurar pelo seu diretor favorito e o longa investe numa típica exaltação da terra estrangeira. Sempre mostrando uma Itália bela, marcada pela presença constante de um sol alaranjado, e quando a personagem salta de cidade em cidade para chegar a Roma, aquela narrativa parece muito mais um guia turístico do que realmente um longa de ficção. Fellini para este filme homenagem significa apenas duas coisas, onirismo bizarro e as belezas italianas.

Tudo isso fica em extrema evidência pelo fato do longa ter um argumento extremamente raso, superficial e ingênuo. Se realmente essa inocência em excesso é o que caracteriza Lucy, o filme também assume todas essas condições, e trabalhar com essa ingenuidade é algo que pode resultar num filme doce, ou numa obra um tanto quanto boba, que não consegue conversar com seu público justamente por ser tão caricato. Assim, a atriz de fala fina, de rostos sempre surpresos, parece uma personagem de desenho animado, totalmente alheio à realidade num filme que a catarse deveria justamente nascer de um diálogo entre o fantasioso e o real. Essa ingenuidade vai sendo levada por todo o filme impossibilitando que o espectador acredite naquilo que vê. O fantástico sem uma conexão com a realidade torna-se apenas imagens estranhas.

Até mesmo na narrativa essa inocência está marcada, num roteiro sempre baseado nas coincidências, nunca num jogo de causa e consequência, apostando apenas na cooptação de seu público através de uma relação afetiva. Assim, Lucy se perde uma série de vezes na Itália, apenas para que ela tenha que explorar outras cidades, mas tudo parece meio torpe, sem sentido, apenas provocando até irritação pelo fato daquela protagonista não conseguir pegar um simples trem corretamente. A cada cidade surge um ser quase do nada que mais uma vez a ajuda, como o seu interesse amoroso, como senhores que foram figurantes num filme do Fellini e assim por diante, nada concatenado, apenas uma série de casualidades. Em Busca de Fellini torce para que seu público seja tão inocente quanto a sua protagonista.

Isso que nem sequer o material afetivo do longa consegue realizar um ponte entre obra e espectador, Em Busca de Fellini é totalmente pautado num melodrama frágil, exagerado, sem a mínima dosagem. Seja na apelação da doença de sua mãe, seja no amor impossível que ela vive na Itália. Curioso que o melodrama é algo extremamente presente na cinematografia italiana, mas que aqui não funciona por estar atrelado aos artifícios mais comuns do cinema americano, a música melosa, as personagens chorando em falas exageradas, enquanto na Itália tudo provém de uma configuração cultural, como se esse drama existisse de maneira natural, não de forma forçada como ocorre no longa.

Assim, é até interessante perceber como o filme se comportaria diante de um público, já que o longa não toma rumos que agradariam aos fãs do cineasta Fellini, fazendo um filme extremamente inocente para quem já viu obras mais arriscadas. Mas também se apoia excessivamente no nome do diretor, algo que afastaria um público que não conhece o trabalho do italiano. Em Busca de Fellini parece uma obra feita por quem acabou de conhecer o cineasta e se apressou a fazer algo sobre. Curioso como cineasta é tratado na película pela mãe e tia de Lucy como alguém que fazia filmes esquisitos, sem histórias, pornográficos, ressaltando uma diferença abissal entre o cinema médio americano e as obras um pouco mais arriscadas da Europa, ficando evidente que o filme subestima um e superestima o outro sem conseguir realizar um diálogo. Acaba, então, sendo realizado um filme que dificilmente agrada até aquele fã mais exaltante do trabalho de Federico Fellini.

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