Críticas

Crítica | Me Chame pelo Seu Nome

Me Chame pelo Seu Nome é um filme de amor, abrindo-se a tudo que essa expressão pode significar. Aberto e suscetível aos mais variados sentimentos, formas e propostas que isso se relaciona, uma obra arrojada o suficiente para assumir toda a sensibilidade de um texto, sem que exista uma preocupação com um sentimentalismo por acreditar na realidade do sentimento que imprime na tela. Me Chame pelo Seu Nome é um filme que faz questão de fazer um close de duas mãos apaixonadas se tocando e isso diz muito num momento em que um pretenso cinema autoral acredita que o bom cinema está no elogio técnico e distante das imagens fundamentais do cinema.

Realmente o que se entende em filmes como este é que essas imagens, consideradas piegas ou algo do tipo, quando estão inseridas nessa potência dos sentimentos, surgem como um exemplo de tudo o que aquele longa representa. Felizmente Me Chame pelo Seu Nome tem essa consciência e tem esse poder em assumir seus sentimentos e a verdade existentes nele. Dessa maneira, alguns elementos são fundamentais para a construção desse amor de verão tão fundamental e tão forte na obra de Lucas Guadagnino, são eles: uma espécie de relação com o tempo, tanto como memória, quanto como um fato que acontece num determinado período, com data de início e de fim; e a paixão, refletindo a sedução como parte fundamental do amor e de um jogo que se estabelece entre os personagens principais do longa, algo que remete a um sentimento dessa descoberta da sexualidade, ou o amor ainda como um jogo infantil.

Me Chame pelo Seu Nome utiliza algo extremamente presente em obras que fazem sucesso atualmente, a nostalgia (que coincidentemente, ou não, estão ligado aos anos 1980 no momento). Todavia, esse sentimento é um pouco mais maduro na obra do cineasta italiano, não se rendendo apenas a uma profusão de referências visuais e musicais. Aqui a nostalgia está ligada a algo que marcou profundamente o passado e por isso retorna de forma romantizada, com uma beleza trágica que só a memória pode realizar, como se tudo aquilo de fato fosse um filme que passa na cabeça do personagem algum tempo depois. O longa passa esse sentimento do rememorar, como se realmente estivesse sendo projetada a memória de alguém.

É evidente que isso não é explicitado por algum recurso, mas certas coisas dão indício dessa relação a um tom memorialístico, começando pela chamada que localiza a narrativa em “algum lugar no norte da Itália no verão de 1983”, como se realmente esse filme existisse nesse local onde não se pode identificar ou localizar, apenas ser lembrado. É isso que promove ao longa toda uma beleza particular, como se romantiza uma simples partida de vôlei a beira do rio, ou as pedaladas rumo a uma cidade próxima. Como aquilo tudo tem uma relação a uma história que se conta, que se é lembrada, cercando essa obra de um carinho especial, de uma atenção em torno aos sentimentos promovidos por aquele romance. Me Chame pelo Seu Nome não é apenas uma narrativa, mas uma parte fundamental da experiência de alguém, e na experiência fílmica isso é transportado para o espectador.

A história de Elio (Tymothée Chalamet) que se apaixona pelo aluno de seu pai, sem entender direito seus impulsos e sentimentos, se passa num verão. Já dando essa condição de um momento fugaz que tem um tempo preciso para acontecer, com um início arrebatador, mas um fim já premeditado, algo que faz surgir essa força da narrativa. Elio, no início, diz a Oliver (Armie Harmmer) que nessa sua casa de veraneio ele apenas espera o inverno chegar, como se esse tempo tivesse um peso entediante, como se passasse lentamente até a chegada desse homem de uma beleza incrível. E ali parece se instaurar uma contagem regressiva, que pede para pausar aquele verão de 1983, tão mais importante que todos os outros que o garoto viveu ali.

Em uma das sequências mais interessantes, Oliver marca um horário para encontrar Elio, o garoto coloca um alarme para o encontro, e todas as ações que realiza são marcadas pela presença de um relógio, por essa presença do tempo, uma ansiedade que ele ainda não conhecia. Elio se encontra com uma garota local, e enquanto flertam ou conversam, o relógio é encontrado pela câmera, ou lembrado por seu pai quando se veste para um jantar. Ou vira o centro das atenções de um plano, enquanto o garoto toca piano para seus convidados. Há uma presença massiva e trágica de uma contagem regressiva, tanto para que aquela paixão finalmente aconteça, como também delimitando algo que está prestes a ter seu fim.

Evoca-se então uma indagação feita no filme, tanto na cabeça daquele jovem, quanto na do espectador que provavelmente nesse momento já se conecta com algum amor de verão, “por que não aproveitamos todo esse tempo?”. Em um momento essa questão da memória e do tempo fica ainda mais intensos, Elio fica perdido em pensamentos, refletindo se seus impulsos são recíprocos, num dos momentos onde Guadagnino pela única vez deixa claro uma intervenção estética, a projeção parece estar com problemas e a película estar solta no projetor. Exatamente aí a música composta por Sufjan Stevens canta “Is it Video?” (isso é um vídeo?), como se questionasse essa relação entre a memória e a história que narra, evidenciando tanto essa construção ficcional da memória, quanto a finitude daqueles momentos, onde a memória por mais importante que seja também está suscetível a uma degradação natural, como se aquilo também tivesse um tempo pré-determinado a desaparecer, pelo menos em alguma parte.

Me Chame pelo Seu Nome é um filme extremamente acertado em suas opções estéticas, onde tudo está organizado para revelar algum sentido. Essa relação com um tempo afetivo constrói um filme pautado nessa luz nostálgica que provoca certo maravilhamento, que constrói momentos extremamente estilosos por surgir dessa pulsão de algo marcante, por isso belo e incomum. Ainda assim essa beleza está ali para dizer algo. Os dois, por exemplo, andando por uma cidade vizinha de madrugada, encontram um carro esportivo, tocando uma música pós-punk já ouvida na trilha do filme, a luz daquele carrão, a música e jovens dançando numa praça medieval poderiam ser coisas apenas do cinema, ou da memória, a canção tocada se chama Love my Way (ame o meu jeito), algo que diz muito sobre os dois rapazes numa imagem essencialmente cinematográfica provocado por essa rememoração nostálgica.

Essa potência estética, que parece tão orgânica, reflete algo que o filme jamais repreende, a sua sedução, a paixão erótica que é parte fundamental do amor, objeto central de Me Chame pelo Seu Nome. O filme faz questão de que, assim como Elio, o espectador se apaixone por aquele homem, com seu porte atlético, sua inteligência presente e o seus cabelos loiros sempre iluminados pelo sol do norte italiano. Essa força das imagens constitui essa sedução constante, esse desejo incontrolável, abrindo-se a esse sentimento com sinceridade, revelando realmente que uma coisa sempre estará ligada a outra. Não é por acaso, as referências ao trabalho do pai de Elio e o objeto de estudo de Oliver, que buscam estátuas greco-romanas do período clássico. Do fundo do mar emergem obras onde corpos esbeltos revelam uma sensualidade que só existe na representação, algo que desperta essa curiosidade e esse desejo imparável. Oliver é essa descoberta de Elio, é o desejo materializado, é a beleza idealizada em forma de homem e de romance.

Me Chame Pelo seu Nome é constituído de uma mise-en-scène de um jogo de sedução constante. Em que os dois rapazes jogam indícios de seus sentimentos, algo que é acompanhado pela câmera de Guadagnino, que acompanha cada olhar dos dois, faz com que um dos homens esteja sempre num lugar privilegiado (dentro da composição de quadro bem estudada), em movimentos constantes que não chamam atenção para si, mas fazem com que o público, sem perceber, esteja participando dessa relação dissimulada entre os dois. Em um mesmo plano, o filme vai de um close em um dos personagens para o enquadramento que mostra relação dos dois e depois para algum objeto importante, sem medo de muitas vezes construir relações entre imagens sem depender da montagem, como o sexo que ocorre e o foco está numa oliveira vista pela janela, ou quando um tenta mostrar seu conhecimento ao outro como forma de sedução e a câmera enquadra uma estátua no meio de uma praça.

Nesse jogo há uma questão central, a dos dois atores masculinos, o Elio de Tymothée indica seus sentimentos aos poucos, oferece pistas, fica em dúvida, recua, e tudo isso é sentido na postura do jovem. Hammer e seu Oliver são de um mistério quase indecifrável, que mostra uma arrogância proposital e dessa maneira se esquiva de seus sentimentos. Esse jogo chega a um momento onde as coisas não podem mais ser evitadas, onde os sentimentos devem ser escancarados, e a entrega física e emocional dos dois atores é impressionante, com um desejo palpável na tela, assim como uma angústia pelo o que pode acontecer após toda aquela entrega.

Assim, é dessa forma, que o filme encontra essa sua potência em assumir seu amor do jeito mais puro, através das imagens mais petrificadas sobre esse sentimento. Elio e Oliver se entregam, abrem-se aos seus próprios sentimentos, sente-se a honestidade entre seus impulsos, transformando o erótico em algo essencial para o amor, e deixando uma marca incapaz de ser esquecida. E por mais que essa projeção nostálgica possa querer se deteriorar, por mais que surja um retrato romantizado (e ainda bem que romantiza), a história de Elio ainda é munida de uma enorme força, suscetível e aberta ao amor.

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