Críticas

Crítica | Sobrenatural: A Última Chave

Por mais apaixonado que seja o espectador pelo terror sempre há aquela certeza de que esse é um dos gêneros mais subestimados e desconsiderados na indústria, sendo entendido como uma mera forma de rápido e bom retorno financeiro com pouco custo. Talvez seja isso que atraia tanto os olhos para o gênero, como se fosse um trabalho de garimpo entre tantos títulos encontrar aqueles que verdadeiramente possuem personalidade própria e subvertem completamente as expectativas desses produtores altamente comerciais.

Até mesmo filmes que saem de uma produtora como a Blumhouse, responsáveis por títulos como Invocação do Mal, Corra! e Fragmentado, estão inseridos nessa lógica. Assim, a produtora demonstra-se como um microcosmo da cena do terror como ela sempre foi: a produção de uma série de filmes, encabeçados muitas vezes por novos nomes, alguns com ideias bastante criativas, outros comandando velhos clichês ou sequências de franquias, todos eles marcados por um barateamento orçamentário, mas com um previsível retorno.

Sobrenatural: A Última Chave com certeza está nesse outro grupo. A quarta sequência da série que começou com um título de James Wan antes de sua aclamação por Invocação do Mal (algo que ainda divide muito sobre o real mérito do diretor), Sobrenatural foi ganhando títulos e mais títulos em algo que parecia não ter a vazão que seus produtores buscavam. Nisso o que se pode ver na série foram tentativas que chamam a atenção pela curiosidade que causam, como em um dos títulos onde a trama fantasmagórica tem até mesmo viagens temporais. Aqui não é diferente, como se cada cena sobrevivesse através de algum suspiro forçado.

Dirigido por Adam Robitel (A Possessão de Deborah Logan) o filme foca nas marcas e traumas da mais importante personagem da franquia, Elise (Lin Shaye). O longa começa investindo em um longo prólogo, onde a infância da protagonista é revelada. Num momento onde já se revelava o dom mediúnico daquela mulher, mas também havia os incômodos de um lugar próximo à sala de execução de uma prisão e a violência mais que desmedida do patriarca daquela família.

Logo nessa introdução já se nota uma espécie de James wanização da direção do longa, com esse apuro na reconstrução de época, a utilização das luzes quentes, as cores levemente saturadas e uma câmera que se move constantemente, sem se esquecer dos constantes jumpscares, fórmula que séries como essa devem muito a seu atualizador e que dificilmente se desprenderão tão cedo. Esse momento é construído com um terror crescente interessante, que acaba num desespero total, algo que de imediato prende o espectador, ainda com o exagero da violência e todos os tipos de aparição, o que revela tudo o que o espectador poderia esperar desse filme.

Após esses primeiros momentos, Elise acorda desse sonho da memória e recebe a ligação de um homem pedindo ajuda dela e de seus dois companheiros para resolver problemas do além justamente em sua antiga casa. Uma coincidência que se entende, tratando-se de uma franquia onde os mortos tem forte influência sobre a vida dos vivos. Todavia, é a partir daí que o filme parece não conseguir mais organizar força alguma.

O roteiro de Leigh Whannel, responsável por toda a série, parece não conseguir sustentar sua própria narrativa, construindo momentos de uma superficialidade e de uma inocência perante a ficção que parece impossível acreditar naquele filme. A frouxidão narrativa combina com as indas e vindas de Lesie a casa que ela nunca se esqueceu. Os momentos são arrastados e pouco concisos, o longa parece focar demais no problema do novo proprietário quando na verdade essa trama afasta o próprio filme daquilo que lhe interessa.

Elise vai para casa, depara-se com um pedido de socorro de um espírito, aquilo faz com que ela se lembre das suas visões quando criança, tudo leva a crer que seu pai e o atual proprietário tem um mesmo defeito em comum, essa falha é descoberta. Elise continua sendo perseguida pelos seus fantasmas infantis, ela encontra na cidade seu irmão e suas sobrinhas que nunca tiveram contato, algo coloca a vida dessas novas personagens em perigo e Elise tem que se mover. Tudo isso, assim como esse parágrafo, é jogado, sem uma construção precisa dos passos dramáticos que o filme deveria seguir.

Essa relação ajuda a criar momentos onde o espectador está tão distante da narrativa que toda ficção é questionada. Há, por exemplo, um momento onde Elise ainda garota confunde uma mulher com um fantasma, algo que não faz sentido pela forma como as aparições sempre foram mostradas, não apenas nesse filme como em todos com a marca de James Wan. Ou até mesmo quando uma personagem tenta se esconder de outro atrás de um minúsculo móvel, algo que gera uma descrença total naquele tipo de ação, colocando o filme como um todo num eterno questionamento do público.

Desviando ainda mais de uma unidade que o filme de terror deveria buscar, o texto de Sobrenatural: A Última Chave propõe um humor extremamente deslocado. Marcado principalmente pelos dois assistentes da protagonista, algo que parece entrar sempre na hora errada, quando o filme está próximo do terror ou quando acabou de sair do suspense, não deixando nem mesmo que a comédia surpreenda, nem mesmo que a tensão funcione, fazendo com que tudo aquilo se enfraqueça mais ainda, onde as emoções provocadas numa mesma cena não dialogam entre si.

Sobrenatural: A Última Chave então segue sem muito a oferecer e até mesmo a tentativa de sustos fáceis é bem mal trabalhada. Robitel constrói sequências que deixam evidente de onde o susto vem, como uma cena onde a senhora deve abrir uma série de malas dentro de um túnel escuro. Esses momentos são vistos repetidamente, gerando um cansaço imediato, de um impulso que vem não da narrativa, mas de um golpe baixo, que colocado diversas vezes caleja a audiência no fim da projeção. Sobrenatural: A Última Chave se resume então a criar momentos onde esses monstros, o exagerados em sua forma, fazem aparições que podem causar algum mal-estar com a plateia e novamente a solução para acabar com aquela assombração vem de uma conveniência narrativa muito grande.

Assim, após os 103 minutos o que fica no espectador é que os primeiros momentos resumiam o longa de uma forma muito melhor, assim como ali tudo parecia muito melhor construído. Sobra, dessa forma, um filme presente na pilha enorme de horrores que são lançados aos montes, na esperança que alguns monstros e mais alguns sustos possam gerar alguns trocado aos estúdios.

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