Críticas

Crítica | Hereditário

Quando a produção de um filme é dada como finalizada e começa a ser exibida em festivais, duas coisas, comumente, podem acontecer: o produto ganha admiração da crítica ou é repudiada por quem assistiu. Caso ocorra a primeira opção, a película, muitas vezes, passa a ser comparada com outros filmes que também obtiveram elogios na época de sua estreia. Hereditário, longa-metragem exibido no Festival Sundance deste ano, foi enaltecido pela crítica chegando a ser considerado o sucessor de O Exorcista. Pessoalmente, toda vez que vejo tamanha comparação tendo a ficar apreensivo pois, colocar tal responsabilidade num filme que não estreou, pode criar expectativas altas e nem sempre saímos tão satisfeitos ao final da exibição. Este não é o caso de Hereditário, nova produção da A24 que de fato causa perturbação no público.

Na trama, escrita e dirigida pelo novato Arti Aster, Annie Graham (Toni Collette) torna-se a figura responsável pela sua família após a morte de sua mãe. Porém, mesmo tendo partido, sua mãe consegue desequilibrar toda a estrutura familiar devido aos seus segredos. Coisas terríveis e estranhas passam a acontecer com os membros da casa, principalmente com Charlie, filha de Annie, que era mais próxima a avó recém falecida.

Em sua primeira parte, a narrativa do filme foca, principalmente, em como a morte da mãe de Annie reflete em todos que conviviam ao seu redor. Sendo Annie e Charlie as mais afetadas. Por meio dos diálogos – ou pela falta deles – percebemos que ninguém conversa sobre o falecimento, quase não há choro, e, quando alguém sente a necessidade de buscar ajuda para encarar a falta de um ente querido, este prefere mentir a família, dizendo que vai ao cinema, ao invés de falar que, na realidade, está indo num grupo de apoio para pessoas que perderam alguém. Em suma, todo esse trecho da narrativa faz o telespectador acreditar que a trama é somente sobre crise familiar.

Já na sua segunda parte, a estória ganha um novo foco com um acontecimento mais do que trágico. Neste momento, o roteiro passa a receber camadas mais drásticas e profundas do que já havia. Ocorre um ponto de virada que deixa a todos – e não tenho medo de afirmar isso – perplexos. Com isso, o longa-metragem entra numa ascensão dramática até ocorrer o seu ápice. Por fim, já em seu encerramento, o filme entrega algumas respostas esclarecendo a sua temática. Logo, com relação a estrutura narrativa, o filme opta por não dar facilmente todas as respostas, porém, consegue manter o fio condutor durante toda a sua exibição sem deixar furos, mas sim abrindo espaço apenas para interpretações diferentes.

Ari Aster conduz o filme de forma esplêndida. É possível ver em sua direção referências a cinematografia de Roman Polanski – sendo O Bebê de Rosemary a mais nítida – o diretor não tem medo de dar um novo olhar a um tema que já foi abordado em uma quantidade absurda de filmes. Hereditário, além de ter um roteiro conciso, agrada pela preocupação estética. O filme não segue uma direção padronizada de filmes de terror, mas sim cria uma roupagem diferenciada ao usar, em certo volume, planos gerais – com profundidade em sua maioria – e ousa ao usar constantemente muitos movimentos de câmeras (panorâmicas) e objetivas (zoom-in e zoom-out). A trilha do filme também é algo que merece destaque, desde a primeira cena ela causa incômodo e, mesmo quando não utilizada, o silêncio cumpre a função de atormentar o público. Portanto, a respeito de direção o filme agrada – e muito.

Outro grande destaque do filme é a atriz Toni Collette, que faz com que sua personagem funcione de forma fascinante. Toni consegue entregar toda carga dramática necessária para que o público entenda as angustias e os medos de Annie. O nível de entrega da atriz é tão intenso que podemos compreender seus sentimentos sem ela precisar abrir a boca para falar. Ouso em apostar que tal dedicação possa ser garantia de uma segunda indicação ao Oscar – Toni foi indicada na categoria Melhor Atriz Coadjuvante pelo filme O Sexto Sentido.

Por fim, Hereditário é um filme que assusta, incomoda e perturba sem recorrer aos famosos jumpscares. Assim como o aclamado A Bruxa de 2015 – que por coincidência é da mesma produtora – este filme soube como elaborar uma narrativa assustadora, inovando na abordagem de um tema comum entre os filmes de terror.

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