Críticas

Crítica | Meu Ex é um Espião

Enquanto as discussões sobre se haverá ou não uma versão feminina de James Bond estão longe de acabar, as mulheres marcaram cada vez mais presença ao centro das histórias de espionagem nos últimos anos. Seja com Charlize Theron no hiper-estilizado Atômica, Keri Russell na tensa série The Americans ou Melissa McCarthy na comédia A Espiã que Sabia de Menos, há um distanciamento gradual da visão masculina que há tempos ditava produções do gênero – mesmo essas que acabei de citar são dirigidas e/ou escritas por homens.

Com Meu Ex é um Espião, a presença feminina vai além do elenco, não só trazendo Mila Kunis e Kate McKinnon como sua dupla de protagonistas mas também dando à diretora e roteirista Susanna Fogel a chance de comandar sua própria aventura internacional. A presença de um olhar feminino é imediatamente sentida no roteiro, co-escrito com David Iserson, com uma representação honesta e pouco forçada das amigas interpretadas por Kunis e McKinnon, que se veem em meio à uma perigosa conspiração internacional.

O filme de Fogel se inicia com duas sequências paralelas: em uma, vemos o espião do título, Drew (Justin Theroux), em uma perigosa missão na Lituânia; na outra, Audrey (Kunis) comemora seu primeiro aniversário sem seu ex-namorado Drew, contando apenas com a compreensão da melhor amiga Morgan (McKinnon). Este prólogo opera simultaneamente em duas marchas completamente diferentes, mas a direção de Fogel já surpreende de início por dar conta desses ritmos opostos com coesão.

Quando o mundo de Drew colide com o de Audrey e Morgan, o resultado é melhor ainda. Misturando sua condução impressionante da ação com o entendimento do timing cômico de suas atrizes, Fogel mantém a aventura cativante por grande parte de sua duração, que arranha a marca das duas horas. Isso também se deve à relação das protagonistas, cujas personalidades são claramente delineadas pelo texto, não se limitando (mas ainda recorrendo) à mania por diálogos improvisados e aleatórios que recentemente tem assolado muitas comédias americanas.

Com química de sobra, Kunis e McKinnon também evitam o clichê das “double acts” por não se limitarem demais aos papéis de mulher séria e companheira excêntrica, respectivamente. É claro que cada uma pende mais para uma categoria do que a outra, mas as duas ficam à vontade para exercitarem suas veias cômicas, seja na entrega do texto ou no humor físico. Ambas também possuem praticamente o mesmo tempo em tela, raramente participando de situações separadas.

Contudo, embora Kunis não deixe a desejar, é o talento cômico de McKinnon que realmente se destaca. Revelada pelo Saturday Night Live e lembrada como um dos pontos altos do reboot de Caça-Fantasmas, a atriz possui um carisma reluzente que sequestra a atenção e arranca ao menos um sorriso do espectador menos resistente ao seu estilo, que pode ser visto como “careteiro”. Ela é quem emplaca as melhores falas e piadas do longa, inclusive sendo a porta de entrada para uma participação especial bastante inusitada que vem diretamente do mundo da espionagem internacional. McKinnon ainda é capaz de trazer algumas emoções honestas à personagem, que vai um pouco além do estereótipo batido da “amiga louca”.

Dito isso, há uma falta de destaque aos outros nomes femininos do elenco. Gillian Anderson, a Scully de Arquivo X, faz uma participação breve como uma chefe de operações na CIA que possui um quê de diva, enquanto Ivanna Sakhno, que esteve no fraco Círculo de Fogo: A Revolta, é relegada ao papel raso da super-assassina que persegue a dupla de protagonistas, ao menos demonstrando bom desempenho físico em suas lutas.

A parcela masculina do elenco é um bocado inconsistente. Justin Theroux, que brilhou em The Leftovers, está charmoso como sempre, e Sam Heughan, o Jamie de Outlander, fica com o posto de “doce para os olhos”– uma possível inversão das personagens femininas nos demais filmes de espionagem. Fora esses dois, que ironicamente são o centro das cenas de ação, há participações de comediantes menos conhecidos cujos resultados decepcionam: Hasan Minhaj, ex-colaborador do Daily Show, ocupa um papel tão óbvio quanto irritante, e o hilário Fred Melamed, da série Lady Dynamite, é desperdiçado em uma ponta rasteira.

Apesar de contar com uma estrutura menos batida que de costume, pontuando a ação com flashbacks do primeiro encontro de Audrey e Drew, o roteiro de Fogel e Iserson não consegue escapar completamente de problemas comuns às comédias centradas em amizades, recorrendo, por exemplo, àqueles típicos momentos sentimentais de final de segundo ato – ao menos as amigas não passam por nenhum contratempo dolorosamente óbvio, como uma briga sucedida de reconciliação. E mesmo que consiga ludibriar de início, o roteiro também peca nos previsíveis desdobramentos de sua trama de conspiração, que culmina em uma revelação final tão boba quanto sem nexo.

Porém, se no roteiro fica devendo, pelo menos Fogel surpreende na qualidade de sua direção, especialmente nas cenas de ação. Além de executar planos ousados, como aquele que acompanha Drew saltando de um prédio, a diretora realiza a maioria das sequências com inventividade e um gosto pelo humor visual, tal como na exagerada perseguição com as motos em Viena, que também conta com efeitos visuais eficientes. Sem deixar a peteca cair por completo, Fogel também filma o embate final, que ocorre em um arriscado ato circense, de maneira dinâmica, com câmeras acopladas às atrizes. A diretora ainda é capaz de conferir um ar pastelão à violência exagerada, bem representado pelo tiroteio dentro de um requintado buffet – há algo tão doloroso e saboroso quanto a morte via fondue?

Mesmo com uma mulher no comando, Meu Ex é um Espião não é tão subversivo quanto o esperado, mas essa talvez nem seja sua proposta central. Certos diálogos até tentam inserir um quê de empoderamento feminino na história, mas são apenas breves comentários que não chegam a construir uma transformação que vá além do reforço da amizade das protagonistas ou da superação de um término de relacionamento. No entanto, essa falta de subversão é aliviada pela condução competente de Fogel, que aqui tem seu cartão de chamada para outros projetos de ação, e pelo carisma de suas protagonistas, em especial McKinnon, cuja presença justifica sua enorme popularidade e pode eventualmente garantir um lugar ao lado de outros “careteiros” de sucesso, como Jim Carrey e Eddie Murphy. Se a principal missão aqui era divertir sem muitas firulas, pode-se dizer que foi devidamente cumprida.

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