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Crítica | A Primeira Noite de Crime

A produtora Blumhouse está em sua fase mais política até hoje. Após o sucesso de Corra!, ganhador do Oscar de Roteiro Original deste ano, não é de se surpreender que Jason Blum esteja mais à vontade para produzir obras de cunho político mais forte. Embora a franquia Uma Noite de Crime, criada por James DeMonaco, já esboçasse alguns comentários sobre o clima político atual dos EUA, seu novo filme A Primeira Noite de Crime aproveita a abertura deixada por Corra! e finalmente chuta o pau da barraca, assumindo um posicionamento mais claro e explícito.

Já que a linha temporal da franquia praticamente se encerrou ao final de O Ano de Eleição, o terceiro capítulo, A Primeira Noite de Crime volta aos dias que antecedem a primeira Purge, período de 12 horas em que todo crime, incluindo assassinato, é permitido. O evento ainda está em seu estágio experimental, como parte de uma iniciativa dos Novos Pais Fundadores da América para reduzir os índices de criminalidade ao longo do ano inteiro. Aqui, a Purge ocorre na ilha de Staten Island, parte mais pobre de Nova York, e os cidadãos são pagos pelo governo para participarem da noite de anarquia.

A ideia acaba desagradando dois lados: os ativistas liderados por Nya (Lex Scott Davis), que notam uma tentativa de eugenia por parte do governo ao aplicar o experimento sobre minorias e cidadãos de baixa renda; por outro, o traficante local Dmitri (Y’lan Noel), cujos negócios e domínio serão prejudicados pela legalização do crime, mesmo que temporária. Adicionando algum tempero adicional à trama, Nya e Dmitri já foram amantes e agora estão em lados opostos, mas serão forçados a formar uma nova aliança para defender familiares e amigos quando a “expurgação” começar de fato.

Por causa dessa timidez menor em assumir uma posição política, os vilões aqui não são só os criminosos fantasiados e políticos de antes. Como Nya e Dmitri testemunham, grupos supremacistas – incluindo a Ku Klux Klan – chegam de surpresa à ilha Staten, aproveitando o período de crime legalizado para fazer uma limpeza étnica na região. Com isso, o filme ganha uma carga política assustadora, refletida muito bem por algumas imagens marcantes. Mas infelizmente, como nos capítulos anteriores, a maior parte desse potencial é desperdiçada em uma fraca execução, tanto do diretor Gerard McMurray quanto do roteirista James DeMonaco.

Assumindo o posto de direção antes ocupado por DeMonaco, McMurray representa uma pequena melhora sobre seu precursor. Responsável pelo filme da Netflix Código de Silêncio, o diretor tem um maior domínio de câmera e o usa para criar alguns momentos competentes de ação, em especial o plano longo a la Atômica no qual Dmitri sai na porrada com mercenários racistas. O ritmo deste capítulo também é melhor e mais ágil. Porém McMurray é claramente obrigado a usar alguns dos mesmos truques baratos de DeMonaco, como os jumpscares fora de lugar e as montagens cafonas dos criminosos de fantasia festejando, além de manter uma identidade visual aborrecida.

Único roteirista do longa, DeMonaco continua como a maior fraqueza da franquia que criou. Mesmo com a recontextualização que faz nessa prequela, seu conceito da Purge ainda é muito difícil de comprar, e sua visão cínica da sociedade americana talvez funcionasse mais caso contasse com algum grau de ironia. Só que DeMonaco continua a levar sua distopia muito a sério, como se fosse construída com um grau incomparável de inteligência – não é. O roteirista continua a apostar em diálogos superficiais e caricaturas, errando feio a mão no vilão secundário Esqueleto (Rotimi Paul), um viciado local que persegue o irmão de Nya durante a noite.

Se há um acerto de DeMonaco aqui, é sua boa escolha de um herói. Infelizmente deixando Nya e outros de escanteio, ele compensa pelo interessante arco de redenção de Dmitri, interpretado com muito carisma pelo promissor Y’lan Noel. Sua transformação de rei do crime para salvador de seu povo cria uma boa âncora emocional para o longa, e é plenamente satisfatório vê-lo se erguendo para liquidar os vilões. Quando, após uma luta brutal numa escadaria, Dmitri estrangula um mercenário que veste uma grosseira máscara de blackface, há uma força nunca antes proporcionada pela série, o que por outro lado é triste, já que demoramos mais de cinco anos para chegar em um ponto mais digno de nota.

A Primeira Noite de Crime conclui em uma nota alta ao som de Alright, do rapper Kendrick Lamar. Celebrando a força das minorias e colocando-as como a principal fonte de resistência contra a Purge, o desfecho continua potente mesmo se considerarmos o que vem depois dele. Dito isso, é uma pena que James DeMonaco tenha só agora elaborado um comentário político mais direto, um que era apenas sugerido nos longas anteriores. Caso contasse com uma execução mais madura de DeMonaco e McMurray, talvez este capítulo justificaria por si só um recomeço para a franquia nos cinemas. Porém, do jeito que está, espera-se ao menos que abra mais portas para outras obras muito melhores de seu tipo.

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