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Mostra SP | Crítica: Julia e a Raposa

Depois de Família Submersa de María Alché, mais uma obra argentina dirigida por uma cineasta, no caso, Julia e a Raposa de Inés María Barrionuevo. Mas, diferentemente do primeiro, não se sai tão bem, pois ao contrário do longa de Alché, este não consegue aproveitar seus momentos de catarse ou quebra, acabam desperdiçados. O conteúdo está lá, claro como cristal mas perdido em um filme de ritmo moroso sem variações de impacto, tornando-o seco, distante. Penalizando um tema humano, e de próxima identificação.

Julia e a Raposa relata a vida de Julia, ex-atriz e dançarina que se muda, junto de sua filha Emma, para um casarão em uma pequena cidade, nos arredores de Córdoba, na Argentina. Viúva já faz algum tempo, durante o inverno, resolve querer arrumar e consertar os problemas do imóvel, para depois tentar vendê-lo. E, com a ajuda de Gaspar, antigo colega dos tempos de teatro, que participa na reforma da casa, enquanto tenta convencer Julia a retornar aos palcos, formam um trio buscando reconstruir suas vidas.

Como dito antes, o filme da Mostra SP desequilibra-se em seus desperdícios, mas há acertos, mesmo que perdidos, ou isolados. Os acertos são: a performance da protagonista, interpretada por Umbra Colombo; e a atuação de Victoria Castelo Arzubialde, que faz Emma, filha de Julia. A última, surpreendentemente, fazendo seu primeiro trabalho na área, pois nunca havia feito tv, curtas, nada. Longe uma da outra, mas sobretudo é quando atuam juntas que acontecem os raros bons momentos na obra. Na parte da interlocução, com ou sem diálogos, existe uma estranheza associada a uma sinergia que funcionaria mais em um filme menos desequilibrado.

Posto isso, fica uma pergunta: de que adianta tratarmos um enredo intimista, que exige toda a expressão corporal, especialmente da face, nos olhares de um ator ou atriz, se não podemos vê-los? Aqui, o ponto mais baixo em Julia e a Raposa. A obra de Inés María Barrionuevo tem uma fotografia, em boa parte do filme, muito, exageradamente escura.

É possível conciliar clima denso na fotografia, onde maior parte do plano fica escuro ou sombreado com clara visibilidade do rosto dos atores. Não é bom abusar do primeiro, pois muito pode acabar se perdendo, como é o caso do filme argentino. Até, usar apenas em momentos pontuais, prevenindo saturar o material, como faz Clint Eastwood ao lado do seu braço direito, o cinematógrafo Tom Stern. Estabelecer modulações é uma parte das tarefas de um diretor ou diretora.

Imagine o contexto de se produzir uma obra intimista, de teor humano, sobre a dor e o luto pelo o que se foi e não poderá ser recuperado novamente, e não sermos capazes, na posição de espectador, de nos conectarmos com as emoções destrutivas da personagem, simplesmente porque não é possível vê-la com clareza, ou senti-la nos olhares, que dão o diagnóstico, a natureza e causa das aflições da mesma. Certamente, uma perda que deixa o longa de Barrionuevo no vermelho, no prejuízo.

Outros problemas em Julia e a Raposa acontecem na parte dinâmica do filme, praticamente inexistente. Muito duro, sem qualquer balanço, e ajuda negativamente o fato de não haver trilha sonora na maior parte do tempo, dificulta o envolvimento e mergulho na história. A narrativa caminha em linha reta, de maneira vagarosa sem elevar nenhuma das personagens além do talento natural dos atores que as interpretam. Ter coadjuvantes vibrantes de se assistir, faz com que o protagonista não tenha que carregar sozinho tudo nas costas, pois se este não obter sucesso na missão, compromete o todo.

O tema, já muito batido, da perda e do luto dão as caras neste longa de Barrionuevo. Julia perdeu o marido, ficou impossibilitada de fazer o que ama devido a uma lesão na perna, e por fim, encontra muitos obstáculos na relação com sua filha, de personalidade forte e bem diferente da mãe. Mais uma vez, na Mostra SP destacam-se as mulheres que sofrem para seguir com a vida em frente.

Julia e a Raposa é sobre a solidão que só quem sente, sabe. É, sobre nivelar-se por baixo, pois é só o que é capaz de almejar. E, encontrar na tristeza uma companhia, olhar diretamente para ela, e imaginar se poderia ser diferente de como está.

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