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Crítica | A Vida em Si

Se Dan Fogelman não fosse Dan Fogelman, roteirista por trás do seriado de sucesso This Is Us, teria conseguido fazer A Vida em Si? Sua cena de abertura leva a crer que veremos algo único ou pelo menos audacioso, com ares de Beleza Americana, mas logo tudo se mostra como perfumaria básica de roteirista. Revela-se um roteiro de drama que não se vende, com cara de projeto de paixão – o pior tipo deles, aquele feito apenas para seu autor.

Não fosse pelo status atual de seu criador, um elenco que inclui Antonio Banderas, Oscar Isaac, Olivia Wilde e Anette Benning provavelmente não embarcaria num barco furado como esse. A pretensão começa já no alarmante título, A Vida em Si, sugerindo uma missão mal-fadada de abraçar a vida em toda sua amplitude, claramente um passo maior que a perna – não só para Fogelman, mas para qualquer cineasta de sua experiência.

A trama é dividida em quatro capítulos inconsistentes, difíceis de descrever sem entregar spoilers. O primeiro, focado no casal interpretado por Oscar Isaac e Olivia Wilde, é o mais equivocado, ludibriando o espectador gratuitamente e encerrando numa cena que, diga-se de passagem, é discutível em seu melodrama. O segundo capítulo, que segue a filha dos dois, quase passa despercebido, dando no máximo quinze minutos de tela à atriz Olivia Cooke.

Fazendo um pulo radical para a Espanha rural, o terceiro capítulo soa inicialmente aleatório, como se Fogelman perdesse a linha do que queria dizer, mas é o mais feliz de todos só pela presença de Antonio Banderas, cujo diálogo com um empregado marca o ponto alto do longa. Já o quarto capítulo apenas está lá para dar continuidade ao anterior e amarrar a coisa toda num nó bonitinho, como num fim de redação escolar premiada com um adesivo da professora.

A Vida em Si sofre em querer ser Crash: No Limite e Babel – bem melhores que esse -, ou seja, com um autor que quer brincar de Deus. Fogelman cria uma série de conexões forçadas entre suas histórias para no fim chegar a conclusões óbvias. Sua mensagem – de que devemos sempre seguir um pouco mais à frente – é claramente bem-intencionada e menos niilista que a dos longas mencionados acima, mas fica enfraquecida por uma trama que dá voltas demais.

Não há pecado em ser um diretor manipulativo, mas a manipulação de Fogelman pode ser sentida a todo momento e anula qualquer espontaneidade do material, deixando-o apático – algo letal para um drama da categoria “tear-jerker”. A sensação é a de que vemos um roteiro de cinema, não a vida em si. Por exemplo, o incidente que catapulta o drama – um atropelamento – é um artifício muito comum a dramas americanos, e sua execução não o difere aqui, remetendo diretamente a cenas de obras como Encontro Marcado e Margaret.

Para acrescentar uma atitude, conceitos narrativos como o narrador não-confiável são discutidos de forma recorrente, talvez como desculpa para as maquinações que, sem qualquer sutileza, movem a trama. Porém é uma escolha que soa condescendente com o público. Além disso, Fogelman parece confuso quanto ao tom que quer adotar para cada cena, conduzindo certos momentos em chave de humor-negro para depois pesar a mão no drama.

A condução de Fogelman é fraca, geralmente registrando cenas de forma banal, com uma câmera na mão que busca os atores em cena. Outras escolhas são simplesmente óbvias – com relances de flashbacks em câmera lenta e lens flares para simular memórias, mais parecendo comerciais de operadora telefônica. Há, no entanto, algumas transições bem-executadas, como aquela que abre o longa ou o movimento horizontal que representa o crescimento de um personagem.

Alguns bons trechos chegam para iluminar a experiência, como aquele primeiro diálogo com Antonio Banderas, um dos poucos pontos que soam naturais e não calculados, e o monólogo final da mãe de Rodrigo, que apesar de manipulativo é decididamente bem escrito, encapsulando tudo que o roteiro quer transmitir – por tanto, torna obsoleta grande parte do filme disperso que veio antes.

A Vida em Si deixa a impressão de que, para Dan Fogelman, a vida é nada mais que um roteiro, um que nunca soa espontâneo e sempre parece calculado ao extremo, no qual o objetivo principal do roteirista é mostrar o quanto tem controle de seus pobres personagens, como um garoto mexendo com um formigueiro.

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