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Crítica | Bumblebee

Quando se fala da franquia Transformers, a primeira coisa que vem em mente é a megalomania do diretor Michael Bay. Sem estar completamente desprovido de méritos, Bay encontrou na saga dos robôs uma maneira de extravasar seus desejos mais insanos como cineasta, e com o tempo esses filmes diziam muito mais sobre seu realizador do que, por exemplo, as estrelas metálicas e sua história de fundo. O mais recente, que fazia uma mistureba de mitologia anglo-saxã com o cânone inconsistente dos robozões, foi a prova máxima disso e acabou custando.

Então foi anunciado um filme solo de Bumblebee, o primeiro a não contar com Bay no cargo de diretor, portanto a megalomania dificilmente estaria lá. O escolhido para conduzir o projeto foi Travis Knight, responsável pela animação Kubo e as Cordas Mágicas e dono de uma sensibilidade imensamente distinta à de Bay. Ficou claro, então, o desejo da Paramount por uma mudança de curso em sua franquia mais rentável, querendo conquistar um público mais amplo do que já havia conseguido sem depender do mercado chinês.

Essa mudança de curso vem com a volta a um modelo mais básico, que havia sido o mote do primeiro longa de Transformers: uma história de amizade entre humana e robô. A diferença é que, enquanto Bay acenava para o antigo Spielberg em seu longa, Knight vai além e, aproveitando a ambientação na década de 80, segue a fórmula de obras como ET: O Extra-Terrestre religiosamente, encontrando algum espaço para encaixar grandes – mas nunca inchadas – sequências de ação no meio de uma história sentimental.

O sentimentalismo, aliás, é o combustível principal da trama. Após uma sequência inicial espetacular que apresenta os momentos finais da guerra em Cybertron, o longa muda de chave e passa a focar na garota Charlie (Hailee Steinfeld), cujo pai faleceu tragicamente e deixou o interesse por automóveis como principal herança. Vagando por um ferro-velho, encontra um fusquinha amarelo abandonado, que na verdade é nada menos que o autobot Bumblebee, mudo e desmemoriado após sua fuga de Cybertron.

Por focar muito mais na amizade dos protagonistas e na superação da perda do que em grandes guerras, boa parte de Bumblebee corre sem suspense ou um sentimento forte de ameaça iminente – mesmo os vilões dublados por Angela Bassett e Justin Theroux, decepticons na caça do autobot sobrevivente, são apresentados com alguma leveza. É como se um desenho de sábado de manhã, cheio de cores e momentos de descontração, fosse adaptado em um filme Sessão da Tarde com uma trilha repleta de hits oitentistas – Simple Minds deve estar nadando em dinheiro.

Mesmo que a mudança de tom entre o trecho inicial violento envolvendo Cybertron e o restante do longa seja um tanto brusco, com Bumblebee passando de guerreiro implacável para mascote atrapalhado em apenas alguns minutos, a condução de Travis Knight é sempre consistente – ou, pelo menos, suas intenções são – com o que seu filme se propõe a ser. O esmero do diretor vai da ação, cheia de piroctecnias e movimentos elaborados de câmera, aos momentos mundanos, nos quais comprova uma atenção aos detalhes que não se via nessas ocasiões nos filmes de Bay.

São coisas como a disposição de cores e objetos em cena e os figurinos de época, além de um cuidado com a câmera e a condução de atores, que fazem a diferença e tornam Bumblebee tão atraente em comparação com seus precursores. O escopo pode ser radicalmente menor, assim como o número de cenas de ação – a maior, de longe, ocorre em Cybertron -, mas a experiência certamente é a mais redonda que a franquia proporcionou desde 2007 por estabelecer o mundo no qual essa história ocorre de forma coerente e livre de excessos.

Mas, não se enganem, ainda há espetáculo visual e sonoro de qualidade nessa mistura. Na verdade, é nesse departamento que Knight mais surpreende, conseguindo registrar a pancadaria robótica sempre com clareza, não importando a quantidade de elementos em tela. Vale dizer, também, que o IMAX 3D é muito bem implementado e não sofre com aquelas mudanças grotescas de razão de aspecto vistas em O Último Cavaleiro, aproveitando da boa decupagem – e bom gosto do diretor – para trabalhar melhor o uso de estereoscopia, seja numa troca de tiros e mísseis ou numa simples cena na qual a protagonista escova seus dentes.

O que impede Bumblebee de ir mais longe e ser o primeiro filme ótimo de Transformers é sua insistência em emular fórmulas bem estabelecidas. Em diversos momentos, a atmosfera oitentista melosa consegue ser espontânea, remetendo a outras tentativas bem-sucedidas na mesma proposta – Adventureland e Terror nos Bastidores, por exemplo -, mas em diversos outros soa quase como uma paródia pela reverência exagerada, com uma trilha que a todo momento quer nos lembrar que estamos nos anos 80. Até mesmo os personagens parecem fantasiar com a década na qual vivem, como se já soubessem do impacto que ela continuaria a ter na na cultura pop anos depois.

O mesmo vale para a subtrama dos militares, que parte de tiradas autoconscientes sobre a extrema ingenuidade do governo em confiar nos Decepticons – “com esse nome, não podem ser confiáveis” – para depois persistir nesse mesmo curso com uma cara séria. O arco militar, aliás, é uma das fraquezas típicas que Bumblebee herda de sua franquia, sofrendo também com coadjuvantes que, delegados à função de alívio cômico irritante, fazem piadas fora de lugar. O que consegue de alguma maneira disfarçar esse último detalhe é o tom mais consistentemente cômico do longa, portanto esses momentos destoam menos do conjunto do que, por exemplo, o arco do histriônico Ken Jeong dentro do sombrio O Lado Oculto da Lua.

Ainda assim, Bumblebee é um passo na direção certa. Não chega a ser uma arrancada rumo a uma completa evolução da franquia, mas ao colocar um filme de Transformers nas mãos de um novo realizador, a Paramount encontrou uma forma de torná-la novamente atraente. Caso mais filmes venham aí, alimentando a nostalgia pela G1 (a geração original) dos Autobots e Decepticons com essa abordagem mais objetiva e, sinceramente, mais divertida desse universo, Transformers deixará de ser sinônimo de Michael Bay.

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