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Crítica | Colette

Uma cinebiografia geralmente se propõe a ser um resumão de uma vida, elencando os pontos de destaque na história de alguma figura. Felizmente, nem todas as biopics optam pela abordagem Wikipédia, encontrando maneiras mais naturais de comunicar a importância da figura que retratam ao público. Colette, dirigido por Wash Westmoreland (Para Sempre Alice), não é lá muito diferente de uma biopic tradicional, mas acerta ao focar mais na evolução natural de sua retratada do que na ordem dos fatos apresentados, além de ser uma divertida viagem aos tempos da Belle Epoque.

Adaptando um curto período na vida da escritora Sidonie Gabrielle Colette, o filme de Westmoreland pode ser um tanto quanto formulaico em momentos, mas se distingue pela construção paciente do roteiro, assinado por Westmoreland, Richard Glatzer e Rebecca Lenkiewicz. No começo, conhecemos a jovem Colette (Keira Knightley) momentos antes de oficializar seu casamento com Willy (Dominic West), um famoso editor parisiense que ganha seu pão publicando o trabalho de outros escritores em seu nome. De início, Colette é deixada de lado nesta atividade, mas seu marido passa a perceber um certo potencial em sua escrita.

Assim que Colette é reconhecida profissionalmente por Willy, surge um ponto importante de suas vidas: a criação da personagem Claudine, que com sua sexualidade aflorada conquista uma grande base de leitores e representa um sucesso financeiro para o casal. Conforme a própria autora se transforma e se liberta sexualmente, Claudine ganha novas camadas e portanto sequências, até que Colette sente o peso de carregar o marido nas costas. Willy, que aparentava mais sedutor no início do longa – flatulências à parte -, mostra-se como mais um sujeito controlador e inseguro, e a protagonista passa a lutar por sua emancipação.

Embora conte com uma duração de apenas 111 minutos, tudo avança de forma natural, como se os personagens crescessem a seu próprio tempo. Se começa como o típico drama de época, logo se torna uma comédia de costumes, quando Colette vai se libertando sexualmente e o marido, já mulherengo, passa a competir com a própria esposa para seduzir uma aristocrata americana. Quando a personagem que os dois criam nas páginas se torna um sucesso, o longa muda de chave novamente, assumindo uma pegada mais extravagante que representa a sedução da fama e do dinheiro – com direito a uma ágil e divertida montagem.

As diferentes fases representadas não ganhariam liga sem que houvesse um bom ponto de referência, e este vem na forma da relação de Colette e Willy. Fugindo das caricaturas e de um maniqueísmo comum a produções como esta, em que uma mulher passa por um processo de emancipação de um homem vilanizado, Colette e Willy são representados como um casal de sua época, com lados positivos e negativos – isso que já são mais progressistas que o cidadão comum da época. Há momentos de ternura – quando Willy faz uma surpresa para Colette -, e há momentos de imbecilidade – logo depois da surpresa, Willy tranca a esposa para forçá-la a escrever.

Mesmo nos momentos em que se testemunha uma opressão, a obra nunca pesa a mão, mostrando-os com naturalidade. Nesse sentido, traz à memória projetos recentes como o belo Além das Palavras, que retratava as agruras da poeta Emily Dickinson e o ambiente machista ao seu redor sem descambar para o maniqueísmo. Na verdade, muito mais que o longa de Davies, Colette se propõe mais a agradar e encantar com seu retrato de época, representando a Belle Epoque como um parque de diversões para os gostos boêmios – mas, é claro, reconhecendo-os como privilégios reservados uma elite afortunada.

Nota-se também, na representação das relações extra-conjugais que Colette passa a ter em certo ponto, que o longa adota uma postura sempre progressista sem nunca necessitar de panfletos. Missy (Denise Gough), último parceiro de Colette até o fim deste filme, é um homem transgênero, mas não ganha um tratamento diferenciado de outros personagens – embora os roteiristas construam discretamente a ignorância de Willy quanto a Missy em certos diálogos. Além disso, embora não chegue a retratar a ascensão individual de Colette, encerrando assim que ela se emancipa do marido, a obra empodera sua protagonista positivamente, enfatizando mais suas conquistas do que suas agruras.

Keira Knightley encontra mais um papel de peso aqui, desta vez dominando seu tempo de tela. Existe no trabalho da atriz uma construção cuidadosa como a protagonista que gradualmente amadurece, passando de garota (não tão) ingênua do campo para uma mulher de convicções firmes, mesmo com tudo a perder. Já Dominic West, um intérprete subestimado cujo papel de maior destaque foi na série The Wire, reforça a construção de Willy como um homem de seu tempo, mais gentil que a média mas ainda dono de atitudes equivocadas. Em conjunto, Knightley e West convencem e dão naturalidade às interações do casal que pouco a pouco se afasta.

Em sua primeira vez solo como diretor, Wash Westmoreland concebe uma obra de época sem cair nas mesmas armadilha que outros cineastas. É muito comum ver uma abordagem vaidosa e cheia de afetações em longas desse tipo, mas Westmoreland opta por uma condução mais comedida, o que não quer dizer que deixe de trazer alguma exuberância às cenas – afinal, é a Belle Époque. Seu foco, no entanto, está no sólido trabalho com os atores e na entrega do texto, mantendo também um tom consistente. Uma pena constatar que seu co-roteirista, além de marido e antigo co-diretor Richard Glatzer, não esteja vivo para testemunhar o trabalho, que marca uma evolução em relação ao anterior Para Sempre Alice.

Reconhecido nos festivais pelos quais passou, Colette pode parecer mais um filme de época que vem para apresentar uma figura histórica de forma condensada. Embora não encapsule todos os fatos na vida de sua protagonista, é uma obra que se distingue ao se recusar enxergar a história como um mero jogo de “ligue os pontos”, buscando um retrato honesto de Colette em sua intimidade e como esta se reflete em sua atitude revolucionária e importância para certas lutas sociais. Afinal, muitas das maiores revoluções podem vir de dentro.

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