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Crítica | Estrada Sem Lei

Se nasceu até um pouco antes da virada do milênio, certamente sabe o que é brincar de polícia e ladrão. Parece tudo tão simples, não? Dividem-se dois grupos, um corre atrás enquanto o outro foge, e a brincadeira acaba quando todos os ladrões vão para a cadeia. Esta ideia direta, por mais divertida que seja, não se aplica na realidade, pois nunca é tão claro e fácil como parece, tanto para o que persegue quanto para o que tenta escapar. O custo é alto como pode-se ver na nova produção original da Netflix, o drama de crime Estrada Sem Lei, dirigido por John Lee Hancock em escala ascendente na carreira.

O longa-metragem, já disponível para os assinantes Netflix reconta a história da caçada da força policial americana para pegar o casal de criminosos Bonnie e Clyde. Após dois anos de fracassos tentando capturar a icônica dupla, o governo recorre a dois policiais aposentados da divisão dos Texas Rangers para a missão indigesta. Agora, os parceiros Frank Hamer e Maney Gault juntam forças e armas para alcançar seu alvo, a qualquer custo.

É sempre muito prazerosa a experiência de se assistir a uma obra como Estrada Sem Lei, que não alivia para o espectador ao revelar as dificuldades que se encontram na essência desta perseguição, tanto fisicamente quanto mentalmente e emocionalmente, já que quanto mais próximo parece estar de seu objetivo, mais distante se sente capacitado(a) de conseguir pegá-lo. Mas pior, de modo que quando percebe que realmente está perto do que busca, mais longe estará de sua própria humanidade. O que se ganha e o que se perde se misturam, e nada mais parece te completar, seja onde e em que momento estiver.

Em cima disso, o cineasta John Lee Hancock executa sua obra, até o momento a melhor de sua filmografia como diretor. Como roteirista, Hancock ganhou destaque pelo texto em Um Mundo Perfeito que é das obras mais relevantes da carreira de Clint Eastwood. O mesmo clima de dubiedade visto no filme de 1993, se encontra nesta produção original da Netflix, indicando que o antes roteirista, e hoje, cada vez mais cineasta Hancock está amadurecendo na função, e com Estrada Sem Lei entrega seu material mais complexo, contundente e pungente já feito.

Esta curva crescente fica ainda mais evidente quando lembramos do piegas e superficial Um Sonho Possível de 2009, estrelando Sandra Bullock que levaria o Oscar de melhor atriz por este papel. Dez anos se passaram, e o cineasta tem melhorado a cada projeto. Walt nos Bastidores de Mary Poppins foi uma escolha segura, mas bem encenada por Emma Thompson e Tom Hanks. Já em 2016, o diretor entregou Fome de Poder com Michael Keaton que apresentava algumas das qualidades vistas nesta atual produção Netflix.

Hoje, auxiliado por um ótimo roteiro escrito por John Fusco de tratamento que cobre todas as pontas, e ainda propõe situações que elevam dúvidas sobre o propósito desta tarefa com os dois protagonistas da trama. Mais: ao apresentar ambos, os define de uma maneira que vai sendo desmistificada pela narrativa. O que se mostra cristalino, na realidade é mais turvo. E, isso só foi possível por ter dois facilitadores como Kevin Costner e Woody Harrelson, no elenco.

Costner, ator equivocadamente indicado como fraco em alguns meios por ter feito parte de produções malfadadas como Wyatt Earp e Waterworld – O Segredo das Águas, transparece uma convincente performance, e extremamente sutil em suas ações. Sua face, assim como a performance de Glenn Close no recente A Esposa, brinca de esconder e mostrar o que se passa dentro da cabeça do policial aposentado.

Já, o inigualável Woody Harrelson usa de todo o seu carisma peculiar para entregar uma atuação que transita entre a sombra do peso que carrega pela culpa do que fez, facilmente perceptível na maneira vagarosa do seu caminhar e também pelo alcoolismo; e a consciência do que essa realidade deformada instala em seu ser. Curioso, que no momento derradeiro desta caçada, o personagem de Kevin Costner escolhe a cor preta, e Harrelson é o que tem o dedo mais rápido.

Assim, com um enredo que dispõe a ambiguidade que existe no ser humano, ainda mais nestes que vão pelo caminho da violência, Estrada Sem Lei diz que a brincadeira infantil onde cada um escolhe um lado, não indica certo ou errado. Na verdade, John Lee Hancock deixa claro que, desoladamente, é apenas um lado …

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