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Crítica | Jesus de Nazaré: O Filho de Deus

A história de Jesus Cristo é talvez a mais recontada de todas através das diferentes mídias. No cinema, inspirou obras incontáveis que atendiam a diferentes demandas e espectadores, incluindo até mesmo grandes comédias absurdistas como A Vida de Brian e A História do Mundo: Parte 1. Como, então, adaptar a “maior história de todos os tempos” em pleno 2019 de forma que o resultado se distinga entre os demais, inclusive como cinema? Jesus de Nazaré: O Filho de Deus não encontra uma resposta para essa pergunta, ao mesmo tempo em que comete o erro de apoiar-se demais sobre o conhecimento prévio de seu público enquanto repassa a história de Cristo por cima, sem preocupação com os detalhes.

A estrutura narrativa adotada pelo cineasta espanhol Rafa Lara é, no início, intrigante ao menos. Ao invés de retratar a totalidade da vida de Cristo, como sugerem as sinopses, Lara parte do ponto em que o personagem título é batizado por João Batista e, depois, resistindo às tentações do diabo durante os 40 dias no deserto, tudo em paralelo com flashforwards ao futuro próximo no qual será crucificado e martirizado. Somos então apresentados à sucessão de eventos milagrosos que o trouxeram à atenção do povo e seus governantes, e a partir disso o longa assume uma linha reta para contar a conhecida história.

Do ponto de vista de quem já é versado nesta história, a ideia de uma adaptação compacta soa oportuna, mas sua execução necessita de um cuidado que Lara não possui, priorizando a afetação estética sobre a coerência narrativa. Nos primeiros momentos que alternam entre presente e passado, há tentativas de criar uma rima entre os tempos com algumas imagens semelhantes, mas a montagem não as satisfaz por conta do próprio material inquieto que manipula, que possuem aspecto de videoclipe com uma câmera, geralmente em lentes grande angulares, que se move frequentemente, flutuando para longe e perto, para cima e baixo dos personagens sem motivo. Essa inquietude visual persiste durante o longa todo.

Porém o aspecto mais problemático da abordagem de Lara é sua estrutura elíptica. Como se propõe a trazer uma versão truncada de uma longa história, há muitos pulos de cena importante para cena importante, sem exatamente criar uma ligação entre uma e outra. Tudo ocorre numa velocidade tão alucinante, desde os milagres realizados por Jesus às mortes de coadjuvantes, que não há sequer algum impacto verdadeiro para cada um dos acontecimentos retratados. Mesmo escolhendo um recorte específico para a narrativa, entre o batismo e a morte, o longa ainda é incapaz de cobrir o que quer em pouco mais de noventa minutos de forma que soe substancial.

Na pressa, nomes importantes como Judas, Barrabás e até mesmo Maria Madalena vão e voltam nesta história com pouco tempo de tela ou desenvolvimento, o que faz com que a relação destas figuras com Cristo soe pouco essencial à sua jornada. Nisso, a adaptação também comete o erro comum de assumi-lo como uma figura imutável, que transformou tudo e foi transformado por nada, esquecendo de que era também um homem – e, inclusive, investindo na mesma representação genérica de sua figura. Seu principal elo com a humanidade, sua mãe Maria, é quase que completamente ignorada em meio ao compilado de milagres, como um especial de Melhores Momentos para um filme completo.

Em luz disso, já não soa tão estranha a presença de um narrador, que aproveita cada precioso momento de silêncio – ou plano de drone – para passar por cima, ou melhor, a limpo as informações básicas da trama que não são evocadas diante da câmera. Didática ao máximo, a narração soa mais como um último recurso para salvar uma coerência interna do longa, ligando os acontecimentos dispersos, do que de fato uma ferramenta cinematográfica. Com ela, Jesus de Nazaré: O Filho de Deus ganha um tom de vídeo-aula, o que levanta mais dúvidas sobre as intenções da obra: quer ser ensinamento ou entretenimento? O filme infelizmente falha nos dois objetivos.

Esquemático como uma página da Wikipédia e com diversos diálogos diretamente retirados e resumidos de outras produções – que, por sua vez, faziam o mesmo com a Bíblia -, este filme soa como a cópia das cópias, ou melhor, a transcrição de outras transcrições de uma história passada por muitas mãos. Mas as folhas de papel foram acabando e este último foi obrigado a condensar tudo a uma página, entortando letras e rasurando trechos inteiros, para no fim entregar mais uma resenha do que uma adaptação. Se, por exemplo, o Jesus de Nazaré de Franco Zeffirelli, um sucesso nas programações televisivas de Páscoa, era o material de estudo completo, este Jesus de Nazaré: O Filho de Deus é uma cola apressada.

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