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Crítica | A Menina e o Leão

A Menina e o Leão, co-produção entre Inglaterra, França e África do Sul, é o tipo de produto que procura atender diferentes demandas ao mesmo tempo. Primeiro cumpre o papel de filme de exportação, apresentando o solo sul-africano de maneira palatável ao público estrangeiro, com imagens que formam um cartão postal vivo. Além disso, a obra de Gilles de Maistre quer ser puro entretenimento familiar e também uma espécie de denúncia contra as práticas de caça – legalizadas -, tradição que leva à morte de centenas de animais por ano e que ainda assim atrai turistas ao solo sul-africano.

Quando o longa tem seu início, esses elementos mais críticos são muito discretamente anunciados, dando lugar a um primeiro ato que foca estritamente na leveza. A protagonista, Mia (Daniah de Villiers), a filha mais velha de uma família de cuidadores de animais que se muda de Londres para uma fazenda na África do Sul, tem saudades dos amigos ingleses e não há o que preencha o vazio deixado. Até que, certo dia, nasce um leão-branco, o qual é apelidado de Charlie, e ao longo do tempo a garota cria um vínculo especial com o animal, tornando-se praticamente inseparáveis. Anos depois, quando o bicho é ameaçado, ela parte com ele em uma jornada para devolvê-lo à selva.

Debaixo das belas imagens e da atmosfera de spot comercial da Coca-Cola, com três faixas que essencialmente se repetem para manter a postura de filme fofo, já se nota uma série de aspectos problemáticos, em especial quanto à estrutura do roteiro. Cheio de elipses, o material acelera toda a fase em que se constrói o apego entre Mia e o leão Charlie, com baixos – a rejeição inicial da menina com o animal – e altos – Mia já dormindo com o animal ao lado – que surgem à todo vapor na montagem picotada. Apesar de captadas ao longo de anos, com um elenco que realmente envelhece junto com o animal, nenhuma das etapas chega a durar, sequer, cinco minutos. Personagens são, no geral, apresentados como serão no resto do longa.

Toda a primeira metade deste curto filme parece ser mais composta de brincadeiras livres com o leão do título do que pontos narrativos, tentando conquistar o apreço do espectador pura e simplesmente pela fofura do animal, que diga-se de passagem é muito bem treinado e orientado em cena. A falta de coesão, inclusive, pode ser um sintoma do trabalho com um animal selvagem, que acredito ser um componente imprevisível para qualquer set de filmagem, principalmente quando se trata de um filhote brincalhão. Por conta deste fator, é compreensível que a encenação se mostre tão frágil ao longo do filme.

Em meio aos planos, quase todos captados com câmera solta e sem blocagem definida de movimentos, notam-se muitos jump cuts – cortes dentro de um mesmo plano – que provavelmente escondem brechas das gravações, por conta da dinâmica solta adotada no set. Há, ainda, imagens captadas por celulares e outras câmeras menores, tratadas com estabilizadores e técnicas de correção de cor para mesclar em meio aos trechos de maior qualidade. Considerando os desafios enfrentados por de Maistre e sua equipe, o resultado é funcional, mas limita a eficiência da obra como cinema.

Deixando a técnica e indo ao aspecto da denúncia, o pai de Mia, John (Langley Kirkwood), mostra-se uma figura ambígua. Dono da fazenda em que sua família vive e crê proteger animais, o sujeito guarda segredos obscuros que, quando vêm à tona, trazem luz a uma discussão que não se espera, ao menos neste grau de ambiguidade, em uma produção de apelo infantil: tradições. Aqui se questiona uma hipocrisia dos cuidadores de animais que apenas o fazem por fins financeiros, os quais são alcançados, muitas vezes, pela venda dos bichos à caça turística. Pena que estes pontos sejam prejudicados por uma dramaturgia frágil, que necessita ainda introduzir um vilão dispensável para mastigá-los.

A Menina e o Leão deve, ainda assim, ser capaz de passar sua mensagem ao público almejado, e aproveita a oportunidade para também incluir os mais velhos nisso, mostrando que há lugar para os pais na busca de seus filhos por mudança. Porém, para aqueles que já estão decididos nesta questão, pode ser mais proveitoso doar o dinheiro do ingresso para a fundação Kevin Richardson, mencionada ao final do filme como uma das principais organizações protetoras de leões-brancos no mundo. Apesar de colocar o holofote em uma questão nobre e entregar no fator fofura, este longa não faz muito mais que isso.

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