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Crítica | John Wick 3: Parabellum

Desde que teve seu início em 2014 com o cultuado De Volta ao Jogo, o mundo do assassino John Wick viveu uma evolução notável nas telas. Enquanto o longa de estreia apresentava uma história mais pessoal de Wick, que partia em vingança pelo assassinato de seu cão, a sequência Um Novo Dia Para Matar levou o personagem para fora do solo norte-americano até Roma, para revelar a extensa mitologia por trás da sociedade de matadores profissionais antes retratada pela superfície no Hotel Continental. Além disso, as cenas de tiroteio e pancadaria assumiam uma maior escala e exploravam as peculiares dinâmicas desse mundo mais ativamente, firmando este universo em uma dimensão totalmente ficcional.

Com o progresso observado entre os dois primeiros capítulos, parecia seguro pressupor que John Wick 3: Parabellum seria a próxima etapa desta evolução, trazendo mais peças importantes à mesa e aumentando a dose de espetáculo em níveis cavalares. No aspecto visceral, que é o que fãs e o público em geral buscam na franquia, o novo longa estrelado por Keanu Reeves entrega e pode, sim, ser considerado como mais um grande avanço. Do início ao fim, Parabellum mostra a que veio nesta modalidade, buscando sempre cruzar novas linhas quanto ao que Wick pode ser capaz quando o assunto é aguentar dor e trucidar seus inimigos. No aspecto narrativo, contudo, o resultado é bem menos sólido por se basear em uma mitologia confusa e pouco especificada.

Desde o início, um objetivo claro deste terceiro filme, novamente dirigido por Chad Stahelski, é buscar maior aproximação à lógica dos videogames modernos, em especial aqueles focados em tiro, para conectar-se com seu público. Mesmo para aqueles que não jogam, a dinâmica gamificada da ação convida um envolvimento ativo com o que se vê, quase como um gameplay. Com o longa abrindo momentos após a conclusão do capítulo anterior, jogando Wick nas ruas de Nova York marcado para morrer e a 1 hora de ser excomungado, a introdução da aventura mais se parece com o início de uma partida de battle royale, gênero popular nos dias atuais, em que o herói tem um tempo limitado para coletar os recursos necessários para uma batalha iminente.

A progressão de todo o resto apenas reforça como Stahelski tira inspiração dos novos formatos. Cada uma das setpieces, ou seja, cenas situadas em uma locação específica, são como fases cuja dificuldade se acentua. O número de oponentes aumenta, assim como a quantidade de ferramentas para matá-los. Os cenários possuem grande importância para o desenrolar das lutas, já que os objetos de cena são compostos armas reais ou improvisadas – a briga na biblioteca e o armazém com facas e machados, que vêm cedo no longa, são pontos altos. Já na última sequência de lutas, são apresentados inimigos munidos de armaduras, e Wick deve mudar suas estratégias para executá-los – são como os infames “esponjas de bala” vistos em shooters mais recentes.

Todo o caos acaba servindo como uma forma de ostentar o tremendo capricho da equipe de dublês e, é claro, do pró-ativo Reeves. Às vezes, Wick é arremessado para lá e para cá sem parar, quebrando vitrines e outras estruturas com o impacto de seu corpo, quase que numa sensibilidade de comédia pastelão. Não à toa, o ídolo Buster Keaton, famoso por suas peripécias e acrobacias perigosas, é novamente homenageado aqui com um easter egg visual no meio da Times Square. Os princípios de John Wick, a franquia, parecem cada vez mais os de dar continuidade ao cinema para o qual Keaton tornou-se um emblema, assumindo o compromisso de entregar uma barragem de socos e rajadas que podem ser sentidos até o osso, hipnotizando seu público como um espetáculo arriscado de circo.

“Arte é dor”, diz a chefona interpretada por Anjelica Huston numa que é das mais fortes sequências focadas na narrativa de fundo, e que melhor sintetiza a obra. Através dela, descobrimos novos detalhes sobre o passado de John, dando abertura para possíveis spin-offs ou prequelas. Mas apenas isso. De resto, no âmbito narrativo, John Wick 3 torna-se frustrante pelas muitas complicações e voltas dadas no entorno das regras que envolvem a sociedade de assassinos. Muitas dessas complicações, trazidas à mesa pela personagem da Juíza (Asia Kate Dillon), sequer envolvem o personagem titular ou sua missão, e acabam tirando o foco da produção, assim como prejudicam seu senso de urgência – algo esperado após a avalanche de infortúnios ocorridos com Wick.

O longa apenas recobra a urgência em seu terço final, quando há novos riscos, e de fato entrega um clímax espetacular em um nível sensorial. Ainda assim, sua “conclusão” nos deixa com um sentimento de trapaça por, ao introduzir esses tais riscos, logo anulá-los e trazer a narrativa de volta a um status quo. Além disso, torna-se aparente que muito do que é apresentado em John Wick 3 serve apenas ao propósito de estabelecer mais uma sequência, sem necessariamente formar uma trama que seja satisfatória de forma isolada. Parte do fator de replay de ambos seus precursores vem justamente do fato de estabelecerem arcos com início, meio e fim, mas aqui essa noção de estrutura está em falta.

Outro fator prejudicial a John Wick 3: Parabellum é a falta de um antagonista forte que esteja presente na ação direta. É ótimo ver Mark Dacascos de volta ao cinema de artes marciais, mas seu personagem acaba assumindo mais a função de alívio cômico do que de oponente ameaçador. O toque de humor, apesar de peculiar, inclusive tira parte do gás deste terceiro ato, que ainda deve lidar com inúmeros desdobramentos de uma mitologia que se torna desnecessariamente complicada e verborrágica. Todo o impulso dianteiro de antes resulta em um fim bastante anticlimático, um que não possui a força do gancho ao final do longa anterior. Inevitável sentir-se traído e trapaceado.

Somos deixados exatamente como John Wick, com sentimentos diversos: exauridos, confusos, doloridos, mas ansiosos por mais, mesmo que não saibamos para onde tudo isso irá agora. Apesar de todos os pesares, é inegável que Chad Stahelski e sua equipe de dublês tenham atingido novas alturas em sua execução de cenas de tiroteio e pancadaria, agora incluindo até mesmo cães na mistura – os dois pastores-belga Malinois de Halle Berry, que tem poucas mas boas cenas, têm um desempenho impressionante numa que deve ser a batalha mais árdua de se coreografar do longa todo. Quem procura uma continuação fascinante da mitologia do Continental pode se decepcionar, mas quem busca a mesma ação ousada e perigosa dos anteriores ficará plenamente satisfeito – e talvez até um pouco estufado, como com qualquer bom prato.

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