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Crítica | Homem-Aranha: Longe de Casa

Servindo como uma espécie de epílogo para este atual ciclo do MCU, Homem-Aranha: Longe de Casa é o tipo de filme engana pelas aparências, já que desde seu anúncio não se sabia ao certo que espaço ocuparia na cronologia da franquia, antes ou depois de Vingadores: Ultimato. Se você já conferiu o recente épico da Marvel, pode prosseguir e ler esta crítica à vontade, e se por algum acaso bastante improvável não o viu e foi capaz de se manter longe de seus spoilers, já aviso que será inevitável mencionar alguns destes a seguir – mas não se preocupem, spoilers de Longe de Casa serão mantidos em segredo.

Disfarçado desde o princípio como uma despretensiosa aventura de férias de Peter Parker (Tom Holland), Longe de Casa acaba sendo um pouco mais do que isso já que lida com as consequências dos ocorridos em Guerra Infinita e Ultimato, em especial o destino de Tony Stark (Robert Downey Jr.), que havia sido um grande mentor e fator definitivo para que Peter se tornasse mais do que um amigo da vizinhança. Tendo ameaças extraterrestres e viagens interplanetárias agora em seu currículo, Peter é promovido por Nick Fury (Samuel L. Jackson) e passa a assumir missões mais extraordinárias, o que o faz questionar suas responsabilidades.

Nada disso significa que Homem-Aranha: Longe de Casa não seja, mais do que tudo, aquele mesmo filme de férias despretensioso prometido meses atrás. Em paralelo com as missões secretas de Peter em parceria com o agente Quentin Beck (Jake Gyllenhaal), também conhecido como Mysterio, o longa dá boa continuidade às relações iniciadas em De Volta ao Lar, em especial a amizade com Ned (Jacob Batallon), que aqui encontra um par romântico improvável, e o interesse amoroso por MJ (Zendaya). Talvez a maior qualidade do diretor Jon Watts ainda seja seu trabalho com o elenco jovem e com o clima despojado de uma comédia adolescente.

Para o desagrado de quem espera por uma aventura soturna de altos riscos após o ápice atingido pelos Russo, em Longe de Casa o tom cômico do longa solo anterior é escancarado ao máximo desde a abertura, que relembra os trágicos acontecimentos de Ultimato com uma atitude juvenil surpreendente. As consequências da reversão do estalo de Thanos são também abordadas para finalmente responder algumas das dúvidas dos fãs aficionados por apontar furos de lógica, e quando o longa deixa estes detalhes para trás para focar nas férias de Peter e seus colegas, torna-se em uma Eurotrip para mais jovens – sem Vandersexxx, mas com piadas sugestivas.

Por outro lado, em contraponto à comédia, se em De Volta ao Lar o diretor provou que a ação blockbuster não é seu maior domínio, Watts representava um possível fator limitante desta nova história que, entre outros conceitos, toca em ideias visuais mais ambiciosas, especialmente de um suposto Multiverso aberto pelo estalo – o excepcional Aranhaverso desfrutava da flexibilidade da animação para executar seus conceitos na tela com brilhantismo. Embora Watts realmente não entregue nada no mesmo patamar de Peter Ramsey, Bob Persichetti e Rodney Rothman, pode-se dizer que o cineasta demonstra melhoras significativas.

Ao lado de Mysterio, o Aranha deve enfrentar criaturas conhecidas como Elementais, colossos feitos de fogo, água, terra e ar, ao redor do globo. Cada uma das sequências de ação, salvo por uma que é omitida ao início, apresenta uma dinâmica levemente diferenciada, e Watts agora emprega movimentos de câmera físicos e digitais mais sofisticados para estabelecer a geografia das cenas e os perigos enfrentados tantos pelos heróis quanto por civis. Apesar da falta de identidade, os monstros também são o ponto alto do longa quanto à qualidade da computação gráfica, e sua credibilidade é crucial para o efeito das obrigatórias reviravoltas.

Quando Longe de Casa toma uma óbvia guinada para outro caminho, as ameaças ganham outra forma muito menos instigante do que se imaginava, e o filme de Watts passa a apoiar-se em ideias completamente diferentes daquelas que haviam sido apresentadas anteriormente e cuja execução na tela não evita tornar-se genérica. A inventividade visual fica reservada aos poderes de distorção da realidade de Mysterio, que não são esquecidos aqui e, embora injustiçados por um CGI borrachudo que confere a aparência de uma cutscene de game, trazem uma dinâmica diferenciada para boa parte do terceiro ato da aventura.

O problema, por mais irônico que pareça, é que a partir de seu ponto de virada Homem-Aranha: Longe de Casa assume-se mais como um truque, ou mesmo uma completa pegadinha com o público. O que, por um lado, é fiel ao espírito jocoso assumido sem timidez pelo diretor Watts e os roteiristas Chris McKenna e Eric Sommers, por outro invalida alguns de seus aspectos mais promissores, como a figura de Mysterio. Mesmo a interpretação de Jake Gyllenhaal é forçada a realizar uma troca de marchas brusca que, como seus trabalhos mais recentes em Velvet Buzzsaw e Okja, será certamente um ponto divisivo para o público desavisado.

Ao menos, as reviravoltas apontam para o que pode ser um futuro relevante da MCU, espelhando nossos sentimentos contemporâneos de incerteza sobre o universo dos heróis que não muito tempo atrás viviam narrativas mais simples e ameaças claramente delimitadas. Longe de Casa não é de forma alguma tão transformador à franquia quanto alguns dos capítulos que vieram antes, como Capitão América: Soldado Invernal e obviamente os dois últimos filmes dos Vingadores, mas muda o status quo para o cabeça-de-teia ao negar um desfecho completo para esta história – e com uma cena pós-créditos que deve chacoalhar os fãs de longa data do herói nos cinemas.

No fim do dia, Homem-Aranha: Longe de Casa pode ser uma passagem a uma nova e desconhecida era do MCU, mas antes de tudo está mais preocupado em ser sua própria coisa, muito como De Volta ao Lar mostrou um equilíbrio entre agradar a cronologia do universo expandido e criar uma nova identidade para esta fase atual do Aranha nos cinemas. Com grandes poderes vem grandes responsabilidades, e maior das responsabilidades de Peter – e deste filme – está no que lhe é mais próximo: família e amigos. Este valor é o que mantém as iterações diversas do Aranha tão ternas, e esta sequência ganha pontos por reconhecer isso.

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