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Crítica | Shaft

Ainda na primeira parte de Shaft, distribuído nas salas de cinema americanas, mas no restante do mercado internacional disponível via Netflix, vemos JJ, filho do personagem-título, ir atrás de seu pai buscando ajuda em um caso. Ao abrir a porta do escritório do investigador privado, damos de cara com uma mulher jovem coberta de purpurina com os seios à mostra, em seguida, vemos o próprio aparecer diante de seu filho com a face purpurinada, especialmente na região dos lábios.

Isto, mais uma quantidade de ‘motherfuckers’ (palavrão/bordão predileto de Samuel L. Jackson), e chamando alguns à sua volta de maricas são o suficiente e necessário para nos reapresentar John Shaft II, o ex-detetive mais durão da polícia de Nova York. Curioso que ao descrever uma pequena parte de sua personalidade, corremos o risco de afastar alguns assinantes mais sensíveis ao jeitão Shaft de ser, o que seria uma pena já que a nova versão (dezenove anos depois da última interpretação dirigida pelo falecido John Singleton) na realidade mira o convívio entre gerações, e o faz com humor agudo e carisma, de todo o elenco.

A versão atual encabeçada por Tim Story cobre os acontecimentos após a morte suspeita do melhor amigo de JJ, que com a ajuda de seu pai John Shaft II irá atrás de quem está por trás disso. Pelas ruas do Harlem, bairro de Manhattan, pai e filho entrarão em situações perigosas, enquanto tentam acertar as contas com o passado.

O primeiro fator a ser notado aqui, é que esta nova produção com parceria da Netflix é, sem dúvida alguma, a obra mais madura da filmografia de Tim Story. O cineasta de 49 anos que nunca foi elevado como um dos peixões de Hollywood teve suas chances com produções de orçamento gordo nos anos de 2005 e 2007, com os longas baseado no time de super-heróis Quarteto Fantástico, sendo o segundo envolvendo a participação de um dos personagens mais icônicos da Marvel, o Surfista Prateado.

É fato que o cineasta não conseguiu fazer nada além do protocolar com estas grandes produções, mas também seria duro demais rebaixar estas adaptações de quadrinhos ao nível mais baixo, dado que na época filmes de super-heróis ainda se encontravam no campo do experimental, apenas Bryan Singer e Sam Raimi tinham conseguido até o momento causar notável impacto, emocional e intelectual; e Christopher Nolan ainda não tinha virado a mesa com Batman – O Cavaleiro das Trevas transgredindo e quebrando qualquer possibilidade de moldes a ser utilizados. Também não havia o Universo Cinematográfico da Marvel e seu estilo fordista de produção que é garantia de êxito econômico, com acertos (Capitão América 2: O Soldado Invernal, Guardiões da Galáxia) e erros (Homem de Ferro 3, Vingadores: Ultimato).

O diretor conseguiu alguns sucessos de bilheteria com a série de filmes Policial em Apuros (com uma terceira parte engatilhada na pré-produção), mesmo apresentando um material de baixíssima qualidade; e ainda teve o longa Táxi, lançado em 2004, uma bomba pecaminosa em seu currículo. Assim, sobra apenas a comédia familiar Uma Turma do Barulho (2002) como o único acerto no alvo da carreira de Tim Story. O diretor americano se tornou um ‘one-hit wonder’ (capacidade de fazer apenas um único sucesso em toda a trajetória). Não mais!

Do mesmo modo como sua obra de 2002, Shaft da Netflix também é um filme familiar, mas só um pouquinho mais violento. O investigador privado boca suja é a típica figura paterna eastwoodiana, que quando se encontra ao lado de JJ, interpretado pelo cativante Jessie Usher, faz desta atual produção algo de muito prazeroso. Quando os dois estão juntos em cena, Shaft faz um show de fogos de artifício!

Melhor ainda, que isso não se restringiu à dupla de protagonistas, já que o elenco composto também, por: Alexandra Shipp (a versão mais jovem da mutante Tempestade em X-Men), Regina Hall (com uma hilária cena no restaurante quando encontra John Shaft II com duas mulheres), além de Richard Roundtree – o Shaft original – oferecem o apoio necessário para tornar a experiência ainda mais agradável.

O septuagenário Samuel L. Jackson, mais que um ator, hoje, uma instituição cinematográfica de valor inestimável, não é capaz de praticar piruetas performáticas típicas do cinema de ação. Desta maneira, temos em Shaft, a boa e velha troca de tiros à la faroeste, que agrada os mais velhos, e pode entediar os mais jovens ávidos por uma ação em cena mais dinâmica e explosiva.

Porém, o que permeia ao final do novo Shaft, disponível para o assinante da Netflix, é o intento que vem do roteiro de Kenya Barris e Alex Barnow. Unir gerações diferentes no mesmo plano, com todas as suas contradições e conflitos na busca por um equilíbrio destas, com mobilizações de ambos os lados. Em resumo: JJ precisa amadurecer algumas ideias e aprender a tomar as rédeas de algumas situações, e John Shaft II precisa se tocar quando está passando da conta, e praticar um mínimo de humildade geralmente impedido por seu ego inflado.

Óbvio, que o ex-detetive é menos maleável, e reluta mais com certas mudanças. Ainda assim, uma tarefa difícil resistir ao charme canalha (que nem sempre consegue o que deseja) que só Samuel L. Jackson consegue prover.

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