Filmes

Crítica | Atentado ao Hotel Taj Mahal

Em novembro de 2008, um grupo de homens armados executou uma série de ataques em pontos estratégicos da cidade de Bombaim – ou Mumbai -, em uma sequência de atentados que deixaram mais de 170 mortos e outras centenas de feridos. Desde que se decidiu a retratar tais acontecimentos, que basicamente envolveram a matança indiscriminada e à queima-roupa, o diretor Anthony Maras deve ter se encontrado em uma encruzilhada quando deu início à produção de Atentado ao Hotel Taj Mahal. Há alguma maneira certa de se filmar um massacre objetivamente? É possível transformar tamanho evento em material de thriller sem descambar para o exploratório?

Antes de sequer responder a essas perguntas, se é que podem ser respondidas, é possível – e preciso – analisar o filme de Maras enquanto cinema. A discussão sobre sua representação gráfica, direta da violência é externa à obra, afinal. Desde os primeiros momentos, Atentado ao Hotel Taj Mahal apresenta-se, de fato, como um thriller, tendo seu início assim que os homens da Lashkar-e-Taiba desembarcam de seus botes em Bombaim. Instruídos a atacar pontos específicos da cidade, os rapazes entram em táxis apertados e abafados, sem o mínimo sinal de suspeita dos que estão ao seu redor. A tensão cresce, cresce e cresce, até que os disparos começam.

Enquanto isso, acompanhamos em paralelo o microcosmo do hotel Taj Mahal Palace, apelidado também de Hotel Mumbai, desde os empregados aos abastados hóspedes que lá chegam. Maras apresenta o ambiente do hotel com atenção especial, definindo locações chave sem exatamente mapeá-las como um todo – algo que será valioso lá na frente. A relação do hotel com os hóspedes é sintetizada com eficiência através do mantra “o hóspede é deus”, dito pelo chef Hemant Oberoi (Anupam Kher) aos seus lacaios no início do dia. A frase indica serventia, inferioridade, mas passa a simbolizar algo mais poderoso.

O roteiro de Maras e John Colee escolhe, então, protagonistas em figuras específicas de cada lado desse espectro classial: o bell-boy Arjun (Dev Patel) e o rico casal formado por David (Armie Hammer) e Zahra (Nazanin Boniadi). O primeiro e os últimos partilham de uma situação em comum, já que possuem filhos pequenos e/ou a caminho, e tal fator imediatamente nos deixa apreensivos como espectadores. O sofrimento por antecipação é inevitável, e possivelmente questionável como tática cinematográfica, mas o longa usa de tais fatores para mais do que apenas isso. Arjun, David e Zahra, assim como algumas outras figuras de destaque, são um recorte representativo do todo.

Assim que a violência chega ao hotel, inferimos o que há em risco para cada um dos abatidos pelos disparos de rifle. Os mortos aqui não são bucha de canhão como em uma cópia de Duro de Matar, algo que a divulgação se equivoca em vender. A violência é objetiva, frontal e rápida, mas há impacto para cada uma das mortes, e Maras quase sempre mantém um tom uniformemente grave durante as mais de duas horas de filme. Sem nunca transformar as ocorrências em aventura, também evita o melodrama, algo notável quando se trata de uma tragédia em tamanha escala. Atentado ao Hotel Taj Mahal é um thriller, sim, mas do tipo mais cru que há, com trechos de puro terror e outros de pura humanidade.

A sobriedade é tamanha que Maras e Colee se arriscam, no meio disso tudo, a humanizar seus terroristas de forma que soa crível. Tão pobres, tão removidos de todo o resto da sociedade e tão afundados no discurso odioso do líder que se comunica através de seus rádios, os atiradores soltam piadas ocasionais em meio à matança, brigam com o próprio inglês quebrado quando devem interrogar um refém estrangeiro e fazem telefonemas emocionados aos parentes, acreditando piamente que serão retribuídos por seus feitos. Os pequenos momentos de humanidade que se encontram espalhados pelo filme não estão apenas reservados às vítimas do atentado, retratadas também com profunda empatia, e esta é uma decisão das mais ousadas. É uma tragédia, mas uma tragédia humana.

Na contrapartida técnica, o trabalho de Maras com o espaço do hotel, algo que mencionei lá em cima, é o componente chave para a criação de tensão e sufoco. Com pouquíssimos planos abertos, o diretor cria diversos pontos cegos no cenário, tanto para o espectador quanto para suas personagens, o que impossibilita a certeza de saber o que aguarda logo mais à frente – quase sempre, a morte certa. Um momento específico, envolvendo Hammer e outro hóspede no saguão do hotel, usa disso para efeito máximo, revelando-nos um atirador que ambos não podem ver. Esse sentimento claustrofóbico, de inescapabilidade, persiste quase pela totalidade da duração, até que somos liberados – com marcas.

Porém também não há escapatória para aquelas primeiras perguntas. Quem somos para delimitar certo e errado, mas a onda de violência retratada aqui é exaustiva, também no mau sentido. Atentado ao Hotel Taj Mahal não evita se tornar uma obra repetitiva, que apesar de deixar clara uma visão ampla e sóbria de um evento que poderia facilmente gerar uma obra enviesada, tem um efeito imediato que não diz muita coisa além do que já sabemos: a violência não leva a nada. Cabe a cada espectador repescar cada um de seus momentos na memória e ruminar sobre o que testemunhou, no esforço de encontrar e deixar sobressair a humanidade debaixo de tudo.

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