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Crítica | A Família Addams

A existência de uma adaptação animada de A Família Addams pelas mãos dos diretores responsáveis por Festa da Salsicha, a dupla Conrad Vernon e Greg Tiernan, é, por um momento, intrigante. Seu estúdio canadense de animação Nitrogen esteve envolto em controvérsias além do conteúdo subversivo do projeto escrito por Seth Rogen e Evan Goldberg, mas agora parece se encaminhar a um tipo de entretenimento mais abrangente, para famílias.

Gomez, Mortícia, Wandinha e Pugsley Addams são apresentados em uma semi-história de origem na animação. Após um prólogo que detalha a ida do casal ao estado de Nova Jersey e o encontro com o mordomo Tropeço, muito antes do nascimento de seus dois filhos, os Addams estão estabelecidos em sua enorme casa assombrada, isolada no topo de uma colina. O ambiente macabro para os demais, é um refúgio confortável ao casal.

Devido à perseguição que sofriam no passado, Gomez e Mortícia optam por privar seus filhos de deixar a casa. A realidade muda quando o resto da pequena cidade da qual se escondem passa a reconhecer a existência da estranha família nas redondezas, e como há uma espécie de projeto de construção que busca assimilar todas as residências da região em andamento, o choque entre os vizinhos padronizados e os peculiares Addams é inevitável.

Como no ainda recente UglyDolls, a mensagem de aceitação das diferenças fica imediatamente clara e sua presença na obra pode ser louvada. Ambas animações apostam em conceitos estéticos similares ao retratar a casa dos Addams com formas expressionistas e iluminação dramática, enquanto o resto da vizinhança conta com cores artificiais e arquitetura repetitiva, sem detalhes ou adornos que se destaquem. Os Addams imediatamente se sobressaem neste novo ambiente.

Gomez e Mortícia lidam ainda com a frustração de seus filhos quanto às tradições familiares e a reclusão do mundo, e estes fatores ao menos acrescentam à estrutura narrativa do longa. Enquanto Gomez e sua missão de preparar Pugsley para um ritual de passagem fornecem alguns trechos de comédia visual competentes, a relação de Mortícia com a autonomia da filha Wandinha, que faz uma nova amiga na vizinhança, entrega boas doses de ternura.

A paranoia coletiva que toma conta da cidade, por outro lado, reforça a incapacidade de empatia dos vizinhos e faz nisso um comentário sobre o perigo dos “telefones sem fio” que levam a soluções violentas e precipitadas. Isto é muito bem construído até o desfecho, onde há um reconhecimento de que, em nosso espaço íntimo, todos nós podemos ser quem nós quisermos e, portanto, livres de qualquer julgamento. E se todos soubessem nossos hábitos íntimos? Seríamos todos vistos como aberrações?

Porém, como em UglyDolls, a construção da mensagem se mantém limitada a estes conceitos visuais já um tanto batidos, assumindo um didatismo simplificado. Remetendo a produções animadas mais comuns ao mercado home-video e televisão, com tramas simplificadas, a situação nunca cresce para etapas mais ambiciosas e nem se incorpora de forma inspirada ao restante da linguagem empregada pelos diretores.

Após um projeto tão pungente quanto Festa da Salsicha, os diretores parecem limitados pela classificação indicativa baixa na criação do humor, que lida com o humor mórbido típico dos Addams sem carregar demais a violência e os toques macabros. Há piadas que contornam bem as referências mais sugestivas, como aquela que envolve Mãozinha em frente ao computador, mas sente-se que os cineastas não possuem a mesma criatividade com a sugestão quanto têm no explícito.

Ambas as animações, no entanto, partilham da mesma proposta estética que, à primeira vista, aparenta precária na falta de detalhes nas personagens e nos cenários. As imagens ao menos ganham algum volume exibidas na alta resolução das projeções de cinema, mas não há o requinte que se vê nas demais produções animadas desenvolvidas atualmente, portanto A Família Addams não traz nenhum momento de deslumbre visual que salte aos olhos.

O resultado é inevitavelmente modesto se comparado a outros lançamentos no circuito recente, mas não há como negar que entretém até certa altura. Se há algo que esta animação prova, é o apelo que A Família Addams ainda possui em permitir a identificação do público com um núcleo familiar tão incomum, não apenas rindo dele, mas com ele. Afinal, toda família, por mais ordinária que aparente, possui suas próprias peculiaridades dentro de casa.

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