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Crítica | A Lavanderia

Steven Soderbergh é um cara bem-humorado, realmente muito bem-humorado! É sabido já faz um tempo que o cineasta americano de 56 anos – que se aposentou após Terapia de Risco, mas mudou de ideia, e retornou com o agradável e esperto Logan Lucky: Roubo em Família – usa de pseudônimos enquanto atua como diretor de fotografia e editor em seus projetos, respectivamente, Peter Andrews e Mary Ann Bernard são os nomes utilizados pelo intrépido diretor de cinema.

Agora, você entende a ironia?! Já que o próprio resolveu em A Lavanderia, uma produção original da Netflix – que recentemente esteve competindo pelo Leão de Ouro no Festival de Veneza – fazer um filme sobre o escândalo de 2015, conhecido como Documentos do Panamá, quando vazaram 11.5 milhões de documentos que detalham transações financeiras, envolvendo clientes e advogados em mais de 214.000 empresas de paraísos fiscais offshore, junto das identidades de acionistas e administradores. Em resumo: dinheiro sumindo para uns, mas sendo mantido para outros via empresas de fachada.

É desta maneira, que o tirador de barato Steven Soderbergh entrega A Lavanderia que acompanha a vida de Ellen Martin que têm as férias dos sonhos transformada em pesadelo após um trágico acidente de barco, que a levará numa espiral em queda para uma realidade de negociações suspeitas que levam a um escritório de advocacia na Cidade do Panamá, administrado pelos sócios Jürgen Mossack e Ramón Fonseca. Logo, Ellen perceberá que seu dilema é apenas uma gota dos milhões de arquivos que ligam estes paraísos fiscais offshore com os mais ricos e poderosos líderes políticos mundiais.

O cineasta americano que alterna entre produções mais descompromissadas (trilogia baseada no original Onze Homens e um Segredo; Logan Lucky – Roubo em Família; o primeiro Magic Mike) e outras mais importantes (Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento; Traffic; Che) tenta ir pelo caminho do meio em A Lavanderia, ou seja, usar um pouco de cada e misturar ideias e conceitos nesta história que afetou milhões de pessoas pelo mundo todo, algumas mais e outras menos.

Na honestidade, é inegável que dentre os dois estilos de filmes produzidos por Soderbergh, é fato que ele se sai melhor com um deles, no caso, os mais despojados como a trilogia de um grupo de homens especialistas em roubo. Longe de dizer que filmes como Traffic sejam algo dispensável ou menor, não são mesmo! Porém, é notável que a criatividade inventiva do diretor parece ganhar mais ar quando este pode-se soltar das amarras da realidade.

Assim, a produção Netflix – já disponível para o assinante – acaba também ficando pelo meio do caminho. Nessa tentativa de entreter com uma montagem vistosa, quebra da quarta parede com os atores Gary Oldman e Antonio Banderas se dirigindo diretamente com o espectador, além do uso de metalinguagem, junto de um assunto do tipo relevante da nossa história recente, acabou entregando apenas um prato morno. Nem tanto para cá, nem tanto para lá.

Simplificando: quando Steven Soderbergh almejava incomodar mais o assinante Netflix com os absurdos e confusões desta teia de desonestidade e corrupção que são parte de nossas vidas, apenas o fez com parcimônia, vulgo morde para depois assoprar. Exclusivamente nos vinte minutos finais que temos algo de mais substancioso por parte do cineasta renomado – incluindo um ‘twist’ inesperado.

Seguramente o que atrapalhou um pouco para esta falta de fibra na obra de Soderbergh foi o roteiro – do tipo, antologia – dividido em capítulos, escrito por Scott Z. Burns. É bem transparente notar cada uma destas histórias e vidas afetadas pela queda deste castelo de cartas onde não se sabe quem é o responsável, jogando a culpa na brisa de verão, contudo, este distanciamento real entre as personagens também é sentido na narrativa, tornando tudo muito menos urgente do que realmente é. Quando precisou ser mais agudo, foi apenas brando.

Mas, se há um mérito – e de grande valor – na trama escrita por Burns, é o fato de A Lavanderia conseguir descomplicar e ser bem didático para explicar um assunto que é do tipo bem complexo e obscuro, repetindo feitos de outras produções, tipo Margin Call – O Dia Antes do Fim de J.C. Chandor e A Grande Aposta de Adam McKay.

Estes são os melhores momentos do longa de Steven Soderbergh, onde brilham as caricaturas da dupla Oldman/Banderas. Também de muita sensibilidade, moldar tais personagens como figuras picarescas, já que o ofício destes é uma prova de falta de humanidade.

Isto é A Lavanderia, uma obra que poderia ser mais do que apenas um exercício de exímio didatismo, mas que como fez Velvet Buzzsaw – também outra produção Netflix – , fura a pele, mas esquece de esfregar sal por cima.

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