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Crítica | O Rei

Nesta mesma época, ano passado, a Netflix lançava ao mundo o fraco drama histórico Legítimo Rei estrelando Chris Pine. Aparentemente, a provedora mundial via streaming adora uma padronização em seus lançamentos, já que se encontra disponível em seu catálogo, mais uma obra nesta linha, O Rei de David Michôd, baseado na tetralogia de William Shakespeare que se refere aos reinos de Ricardo II, Henrique IV e V.

O longa de Michôd corta o reinado de Ricardo II, e foca em seus dois Henriques, especialmente o jovem Henrique V, que após a morte de seu pai, assume o trono como rei da Inglaterra, herdando de seu progenitor um país em meio à Guerra dos Cem Anos contra a França. Henrique V irá aprender da maneira mais dura que os caminhos da paz, infortunadamente, cruzam pelas vias da guerra e dor na obra de Shakespeare.

Pode ser uma grande surpresa a alguns, mas o ótimo filme de David Michôd usa do mais renomado poeta e dramaturgo da língua inglesa para apresentar uma história do tipo coming-of-age, a passagem da juventude adolescente à maioridade.

É sabido que Henrique V se encontrava mais próximo da casa dos 30 anos de idade quando assumiu o reino da Inglaterra em 1413, governando até 31 de Agosto de 1422, dia de sua morte. Aí entra a ousadia de Michôd, ao escalar como seu protagonista o jovem ator de 23 anos de idade Timothée Chalamet, que conquistou a atenção de todos no drama romântico Me Chame Pelo Seu Nome de Luca Guadagnino.

Após tal performance que lhe rendeu sua primeira indicação ao Oscar, o rapaz tornou-se magnético a outros cineastas de grande prestígio na indústria cinematográfica, como: Scott Cooper, Felix van Groeningen, Woody Allen – que lança sua mais nova produção Um Dia de Chuva em Nova York neste mês – , Denis Villeneuve e Wes Anderson. Continuando o que já havia iniciado com Jason Reitman e Christopher Nolan.

Resumindo: Chalamet é um homem de muito talento, e também, sorte.

Ao olharmos o ator em cena, em qualquer uma destas produções de anos recentes, e especialmente em O Rei de David Michôd, fica claro que o ator nascido em Nova York que possui cidadania americana e francesa, apesar de ser um homem adulto, possui traços de um adolescente.

É neste terreno que florescem os maiores predicados do contemporâneo astro. Dado que é capaz de nos encantar e comover em suas facetas mais frágeis, ao mesmo que assombrar com sua presença e fibra – vide o discurso nada melodramático antes da grande batalha, do tipo, curto, direto, passional e poderoso.

David Michôd se escora em Chalamet, certo de que o mancebo entregará o que ambos extremos podem prover, principalmente quando aborda a inexperiência de um rei novo que há pouco era apenas um beberrão machucado pelo distanciamento de seu pai Henrique IV.

Aqui, outro dos grandes acertos em O Rei, com roteiro escrito pelo cineasta, ao lado de Joel Edgerton – que também atua e produz este longa original Netflix. O enredo coloca pai e filho em paralelo, naquela linha de pensamento que diz ‘quem você critica, é quem você é’, nivelando ambas as tragédias impostas a seus destinos, oferecendo o que poderia ser uma oportunidade de empatia. Mas, lembremos, isto aqui é Shakespeare, assim, nada é fácil, e nem deverá ser.

Se o texto não reproduz a poesia e balé fonético das peças shakespearianas como Ralph Fiennes o fez, no difícil mas lacerante Coriolano de 2011, ao menos entrega o essencial de uma obra feita pelo dramaturgo inglês: um personagem que é responsável e consciente de suas ações, desta maneira, também ciente das desgraças que acompanham tais atos, e o pesar de viver carregando o fardo de seu próprio nome.

Michôd estabeleceu a base e traduziu o essencial em Shakespeare com O Rei, apresentando o desenvolvimento trágico de Henrique V.

O cineasta, além de tirar mais uma performance superlativa de Timothée Chalamet, também foi capaz de fisgar alguns elementos muito interessantes do resto do elenco, tal como: um aspecto eastwoodiano na atuação cativante de Joel Edgerton; uma caricatura burlesca com o muito competente Robert Pattinson; e a peculiaridade de um hipnótico Sean Harris.

O Rei de David Michôd como uma boa obra de William Shakespeare nos desola, deixando o raio de luz entrar, no caso do filme, Catarina interpretada por Lily-Rose Depp – filha do astro Johnny Depp, mas a cara de sua mãe, a cantora Vanessa Paradis. Que a sorte apareça em nossos destinos, e que tenhamos nossa própria versão de Catarina, para abafar na compaixão e com a verdade os sons de nossos doloridos nomes.

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