Filmes

Crítica | A Possessão de Mary

Gary Oldman ganhou uma viagem de barco para as férias, após o Oscar por O Destino de uma Nação. Com a presença de uma equipe de filmagem no barco, matou dois coelhos em uma cajadada e gravou um filme de terror, A Possessão de Mary, com o diretor Michael Goi. Oldman também convidou a atriz Emily Mortimer para aproveitar o sol e o calor em alto mar, e para passar o tempo os dois organizaram uma gincana com fantasmas que rendeu boa parte das cenas do filme de Goi.

Nada dessa história que acabei de contar é convincente. Talvez Oldman não tenha ganho a viagem e estivesse apenas entre projetos de prestígio, pagando os famigerados boletos. Talvez Mortimer tenha aparecido no set flutuante pelo mesmo motivo, sem um novo drama de época onde possa melhor utilizar seus talentos. Os dois atores muito menos inventaram a trama de terror ao longo da viagem, sem qualquer voz de decisão na qualidade narrativa do longa. Quem sabe?

Assim como os eventos sobrenaturais vividos pelos protagonistas David (Oldman) e Sarah (Mortimer) em uma viagem marítima a bordo do barco Mary, não é fácil explicar como este longa veio a ocorrer. Um dos sobreviventes se vê em uma posição similar ao relatar, em flashforwards, os ocorridos a uma detetive. À medida que as questões sobrenaturais são introduzidas, a história contada à policial sobre um barco possuído por um espírito maligno torna-se mais difícil de crer, tal como a existência deste terrível filme no currículo de seus atores.

Primeiramente, A Possessão de Mary tem um ponto de partida interessante, ao apenas insinuar uma presença maligna no barco que David e Sarah compram para fortalecer seus negócios e ainda seu casamento em frangalhos. Pena que este suspense dure tão pouco tempo, e após cerca de dez minutos ou menos dê lugar a jumpscares completamente enfadonhos e excessivos, de uma qualidade gráfica questionável – o momento da foto em família à frente do barco assombrado é especialmente precário.

Por outro lado, o roteirista Anthony Jaswinski comete o erro cardinal de iniciar a trama logo após o final de seu conflito, entregando os resultados da trágica viagem de barco. Nas mãos de um profissional melhor habituado à criação de suspense, pode-se dizer que haveria a possibilidade de acentuar a tensão com esta dica do que está por vir, mas fica claro que Jaswinski apenas não soube enquadrar a narrativa central com qualquer grau de sucesso.

Repetir em um filme de 2020 o que essencialmente foi feito em A Bruxa de Blair 2, por exemplo, onde também ocorria uma diluição do suspense, é algo francamente inacreditável. No vai e vem entre passado e presente, Michael Goi perde-se da melhor oportunidade que tem de fazer seu terror funcionar: a ambientação enclausurada e isolada em alto mar. A quebra com as cenas de interrogatório suspende qualquer incômodo que poderia existir no apertado barco.

Isso não é necessariamente para dizer que Goi aproveite o espaço do barco com sucesso nas cenas que nele são ambientadas. Atuando também como diretor de fotografia do longa, Goi parece apenas considerar o necessário para acomodar sua câmera dentro dos cômodos apertados – por isso o excesso de ângulos holandeses -, sem pensar também no efeito psicológico dos enquadramentos. Não à toa, os sustos sempre vem por quebras artificiais na diegese – leia-se: jumpscares sonoros e pesadelos.

Não há a sensação de que estamos em um só espaço orgânico, e pode-se perceber como o longa tem dificuldades de se organizar para os próximos sustos, muitas vezes repetindo ideias anteriores. Certas cenas paralelas parecem captadas em locais completamente distantes um do outro, já que não existe uma construção espacial para o barco. Nem mesmo cenas a bordo do convés conseguem juntar múltiplas situações com sucesso – o clímax poderia ser facilmente gravado com atores presentes em diárias diferentes.

À medida que A Possessão de Mary caminha para suas “grandes” revelações, o espectador talvez tenha passado mais tempo notando as severas limitações da produção do que seus momentos de razoável competência – que são poucos mas existem, como a imagem noturna da silhueta da fantasma no mar -, o que torna a ocorrência de sustos baratos ainda mais irritante. Nem Oldman e nem Mortimer parecem assustados com o material, portanto se tem a sensação de que tudo aquilo que ocorre é, de fato, uma gincana de dia das bruxas em alto mar.

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