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Homecoming | Crítica - 1ª Temporada

Curiosamente baseada em um “podcast” com o mesmo nome, Homecoming é a mais nova aposta da Amazon para a temporada de premiações, com Julia Roberts assumindo um de seus melhores papéis dos últimos anos, e Sam Esmail demonstrando aptidão além de suas empreitadas com Mr. Robot.

Homecoming acompanha Heidi Bergman (Roberts), uma terapeuta que trabalha em um centro de assistência para veteranos de guerra com stress pós-traumático. A série intercala o trabalho de Bergman neste centro, com um futuro contraditório, onde a personagem está trabalhando como garçonete em um restaurante qualquer, procurando instigar o espectador a descobrir as conexões entre ambas as linhas temporais. Os traços de conspiração vão sendo cada vez mais evidenciados, deixando claro que os pacientes da personagem estão, também, sendo tratados involuntariamente com uma medicação misteriosa, inserida em suas refeições diárias.

A ideia de adaptar um podcast de ficção poderia soar pouco eficiente à qualquer produtor acostumado com o público geral atual, visto que o apelo estaria, inevitavelmente, na tensão construída pelos diálogos, e na condução apropriada da interpretação do espectador, através de pequenos detalhes que precisam ser evidenciados ao longo da trama. Com episódios relativamente curtos (em torno de meia hora), a série prefere evitar diálogos demasiadamente expositivos, e deixa o trabalho de contextualização para a direção de Esmail.

Sam Esmail é um diretor visivelmente entusiasmado. Seu empenho já podia ser perfeitamente reconhecido em Mr. Robot, mas é possível perceber um amadurecimento na maneira como o diretor prefere compor suas cenas, limitando sua excentricidade à aspectos específicos da fotografia. É visível, o árduo trabalho de construir planos-sequências com enquadramentos simétricos, bem como a intenção do diretor de posicionar o telespectador sob um perspectiva de análise dos personagens (perceba quantas vezes a câmera corta para uma visão “de cima” da cena, dando ao espectador total e imparcial percepção da situação).

Outro ponto distinto da direção, Esmail retrata suas diferentes linhas temporais com razões de aspecto distintas (aspect ratio, no inglês). Quando estamos no “passado”, as cenas são filmadas em “tela cheia”, enquanto o “futuro” é retratado em um sufocante “quadrado” com grandes barras laterais. A justificativa para tanto, além da evidente necessidade diferenciar as linhas temporais, pode estar no fato dos “personagens” do futuro não terem completa noção da história, por conta da conspiração que os afeta. Poderia-se dizer que os personagens, no futuro, não conseguem enxergar o “quadro todo” (“the whole picture”, na expressão original).

É válido adiantar que Roberts se mostra à vontade com o papel em questão, equilibrando bem o tom otimista da personagem com suas frustrações e desilusões frequentes, e entregando uma interpretação mais contemplativa do que vinha tendo oportunidade para trabalhar no cinema. Esmail, que assina a direção de todos os episódios, alonga diversas cenas para deixar que a atriz produza suas reações e emoções com cadência. O resto do elenco também não deixa a desejar, em sua maioria, com Bobby Cannavale (que também trabalhou com Esmail em Mr. Robot) reiterando sua versatilidade como um ator em um papel cuja interpretação é bruscamente alterada de acordo com as diferentes perspectivas que a série adota em cada episódio.

Homecoming trata de temas polêmicos para o público americano, com o foco na reabilitação de veteranos de guerra, e da falta de discernimento e consideração do governo para com estes soldados, que são enviados para zonas de batalha com investimentos milionários, e enfrentam o descaso destas instituições quando retornam à sociedade, marcados por traumas. A maneira como o maléfico personagem de Cannavale encara estes tratamentos é uma evidente crítica à este sistema, responsável por aniquilar qualquer chance destes ex-soldados terem um vida normal, após a guerra.

Conforme a conspiração vai sendo revelada, descobrimos que a real intenção deste suposto centro de reabilitação não é, nem de longe, reabilitar os pacientes, e sim apagar qualquer trauma que os impeça de serem mandados de volta para a ação. Literalmente excluindo as memórias traumáticas, a empresa por trás de todas as armações demonstra priorizar o investimento feito nestes soldados, independente de suas personalidades e aspirações. Em qualquer história, um personagem precisa superar seus desafios, e retornar alterado de sua trajetória. Quando um personagem simplesmente tem suas experiências apagadas, não há transformação, tornando sua trajetória insignificante, e constituindo uma verdadeira tragédia.

Esmail estrutura esta história com eficiência, intercalando suas linhas temporais com o intuito de prender a atenção do espectador e mantê-lo engajado, apesar do ritmo lento em que a história se desenvolve. A estrutura episódica é, muitas vezes, ignorada pela trama, indicando que mesmo com a curta duração dos episódios, a narrativa talvez pudesse ser melhor aproveitada em um longa-metragem, ainda que alguns dos caprichos visuais e estilísticos do diretor acabassem sendo sacrificados neste processo.

E mesmo que as reviravoltas de Homecoming possam não ser tão impactantes quanto o espectador casual poderia esperar (por conta da abordagem sutil com que estas reviravoltas são evidenciadas), tais eventos acabam ganhando força pelas interpretações dos personagens, deixando que os efeitos sejam melhor retratados por suas consequências pessoais. Comprova-se, então, o acerto da estratégia de dividir a perspectiva da série entre seus personagens, deixando que o espectador mantenha-se imparcial perante o desenrolar da trama. As recompensas narrativas não são sempre imediatas, mas estão bem estabelecidas ao longo da série, e requerem uma certa resiliência do espectador para que sejam reconhecidas conforme o proposto.

Homecoming pode não ser uma série que vai se tornar a nova febre do público. Aqueles que procurarem a série esperando a mesma tensão conspiratória de Mr. Robot, podem ficar um tanto entediados pela abordagem menos espalhafatosa de Esmail, desta vez. Mas para todos que buscarem a série esperando ver Julia Roberts demonstrando toda a sua capacidade dramática, com certeza não irão se decepcionar. Embora a história tenha uma conclusão satisfatória, ainda que trágica, há espaço para mais temporadas que aprofundem o descaso da empresa “Geist” em suas empreitadas, e Heidi Bergman, agora com suas noções restabelecidas, possui plena capacidade de tornar-se uma protagonista ainda mais impactante, em uma suposta sequência. Em meio à tantas séries descartáveis ou recicladas, a Amazon surge com uma aposta intrigante neste cenário televisivo, e alcança resultados mais do que relevantes.

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