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Good Omens | Crítica - 1ª Temporada

Com bizarrices e extravagâncias equilibradas, Neil Gaiman produz uma boa adaptação de sua obra, escrita ao lado de Terry Pratchett, consciente das diferentes necessidades de cada mídia. O resultado, no entanto, só comprova o quanto Good Omens tem seu charme consideravelmente reduzido fora das páginas de um livro.

A nova série da Amazon traz um elenco de peso (incluindo Jon Hamm), com Michael Sheen e David Tennant interpretando o anjo Aziraphale e o demônio Crowley, ambos encarregados de acompanhar o crescimento do anticristo. A trama se complica, no entanto, quando os personagens percebem que o verdadeiro anticristo foi trocado na maternidade, e que o apocalipse se aproxima, sem ninguém para vigiá-lo. Tal premissa gera uma urgência empolgante no espectador, mas infelizmente, a série não consegue manter a consistência da expectativa para este grande clímax ao longo de seus seis episódios, e acaba se arrastando em sua estrutura.

Manter uma narração para esta história era vital para transmitir os vários comentários cômicos que marcam a obra original do começo ao fim. É claro que, na televisão, não poderia se incluir toda e qualquer piada do livro, mas a série consegue encaixar várias das passagens que tornam acompanhar esta história, uma experiência tão aproveitável. Good Omens, tal qual Deuses Americanos, imagina um universo onde elementos mitológicos ganham características mundanas, reduzindo-os a tópicos exploráveis pela inventividade de Gaiman, ao mesmo tempo em que proporcionam uma escala mais empolgante para estas tramas.

A diferença entre ambas as obras do escritor, no entanto, está no fato de Good Omens ser muito mais sarcástica, tirando sarro de convenções bíblicas de forma encantadora e imaginando um apocalipse excêntrico, muito mais imaginativo do que tenebroso. Esta característica da obra procura ser mantida na série, com direito a sequências visivelmente mais complexas que com certeza impediam uma adaptação apropriada na época do lançamento do livro. Gaiman, com certeza, deve ter fico muito satisfeito em poder tirar certos absurdos das páginas e colocá-los na tela, em toda a sua glória.

Mas o grande destaque sempre foi acompanhar as hilárias interações entre Aziraphale e Crowley, com a série mantendo-os em destaque e evitando tirá-los de cena tanto quanto o livro faz (no caso, para dar mais espaço à Adam (Sam Taylor Buck) e sua gangue, ou aos Cavaleiros do Apocalipse). Sheen e Tennant, então, fazem jus a este destaque, e produzem diálogos divertidos com sua química cativante, compondo uma relação que nós, como espectadores, podemos nos relacionar emocionalmente ao longo de toda a temporada.

O problema, no entanto, é que todos os outros personagens acabaram tendo sua falta de apelo evidenciada pela adaptação. Adam e sua gangue estão ali justamente para trazer uma perspectiva infantil sobre o apocalipse, e preparar o terreno para que o grande final anticlimático possa ressoar emocionalmente, de forma mais eficiente. Sem as várias conversas descontraídas do grupo (que ficariam rapidamente entediantes na televisão), a quebra de expectativa do embate apocalíptico se torna mais frustrante, e a evolução de Adam soa bem menos recompensadora. De forma semelhante, este mesmo problema se aplica à Anathema (Adria Arjona) e Newt (Jack Whitehall), que podem parecer mais dispensáveis para a narrativa.

Good Omens mantém um equilíbrio tonal instigante durante todos os seus episódios, assumindo a sua falta de naturalidade constante como parte de seu apelo cômico, e dando ainda mais espaço para Gaiman construir sequências divertidas como, por exemplo, as influências de Aziraphale e Crowley em vários eventos históricos. Para quem é fã do autor, não há do que reclamar, mas tais liberdades também acabam tendo um impacto negativo no ritmo desta narrativa televisiva.

A série da Amazon é o que poderíamos chamar, perfeitamente, de uma adaptação segura. Não altera grandes pontos essenciais para a história, apenas expandindo-a com outros personagens ou sequências isoladas, e elimina diversos elementos do livro para manter-se focada em seus objetivos principais. Mas por mais que esta história seja chamativa, ele não soa mais tão transgressora ou absurda quanto soava vinte anos atrás, principalmente com as várias propostas sobrenaturais inventivas que chegam à televisão, ano após ano, nos tempos atuais.

Sendo assim, Good Omens acaba sendo menos memorável do que poderia, e talvez pudesse ter tido um impacto maior se ousasse brincar com sua linguagem para tentar aproveitar certos charmes do livro que, como expliquei, não seriam costumeiramente adequados à televisão. Cito como exemplos, a maneira como vamos percebendo que o Cão está gradualmente se afeiçoando da terra, ou as discussões estúpidas da gangue de motoqueiros que segue os Cavaleiros do Apocalipse (Isso sem falar nas notas de rodapé que permeiam várias páginas com observações casualmente cômicas).

Como adaptar tais elementos e se manter nos moldes necessários da televisão atual? Seria uma tarefa difícil, mas a falta destas peculiaridades acaba tornando esta história muito mais “normal” do que seu tom narrativo procura estabelecer.

O trabalho visual de Good Omens acaba redimindo muito do que sua narrativa não consegue exacerbar tanto quanto gostaria. Usos de efeitos especiais descarados e cenários espalhafatosos contrastam com o ambiente mundano dos arredores de Londres, e devem manter o espectador interessado, mesmo que este não esteja compreendendo perfeitamente por que aliens estão aterrissando no meio da rua, ou como funcionam as habilidades angelicais e demoníacas.

Com uma devida suspensão de crença, a série é perfeitamente capaz de entreter e apresentar a maneira como Gaiman consegue enxergar este mundo com tamanho entusiasmo contagiante. Sua abordagem segura, no entanto, acaba fazendo com que o real potencial desta adaptação esteja nas possíveis sequências que iriam além do livro, e poderiam retratar a provável guerra contra a humanidade com uma narrativa propriamente construída para este formato.

Um elenco atraente com várias participações especiais (algumas bem memoráveis), cercado por um mundo excêntrico o suficiente para compensar o ritmo arrastado desta história, devem manter o espectador engajado ao longo dos seis episódios. Se assistir a este apocalipse absurdo não for tão gratificante quanto poderia se esperar, ao menos as cenas entre Sheen e Tennant e o arco dramático de seus personagens serão uma boa recompensa para o tempo investido. Com sorte (e uma boa audiência), teremos a chance de ver o futuro deste estranho mundo criado por Gaiman e Pratchett com ainda mais charme.  

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