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Glow | Crítica - 3ª Temporada

As “belas mulheres da luta-livre” estão de volta nesta terceira temporada de Glow, que revira a dinâmica da série transportando as histórias para Las Vegas, seguindo novos caminhos. Mas ainda que acabe se distanciando de sua proposta original, estas personagens continuam divertidas o suficiente para manter a afeição do espectador. 

No início, Glow trazia um grupo de mulheres desgarradas que acabaram caindo em um processo de audição para um programa de luta-livre. A premissa foi suficiente para render uma construção envolvente deste grupo de personagens, bem como fornecer espaços produtivos para se explorar suas diferentes personalidades. Uma boa parte do humor se baseava em referências e características antiquadas dos anos 80, enquanto também tínhamos o interessante processo de criação e desenvolvimento do programa para que pudéssemos acompanhar e torcer a favor. 

Duas temporadas depois, a série parece estar mais do que satisfeita com a sua exploração do universo da luta-livre, e embora ainda retenha parte das características da década em evidência para alguns de seus dramas, o grande foco deste terceiro ano está totalmente voltado para as evoluções destas personagens neste novo ambiente. Em Vegas, o grupo agora precisa “encenar” seus números de forma repetitiva para o público rotativo de um cassino, o que logo de cara já elimina as tramas e piadas envolvendo linhas narrativas para as lutas. 

Não demora muito para que as personagens comecem a sentir uma certa estagnação nesta nova fase, e o espectador também pode se pegar com a mesma sensação em relação a série em si, durante alguns dos primeiros episódios. Sam (Marc Maron), o diretor que liderava muitos dos esforços para fazer o espetáculo acontecer nos dois primeiros anos, por exemplo, agora é deixado de lado, sem muito o que fazer neste novo cenário (e mesmo assim, tem dificuldades para retomar suas ambições criativas).

Debbie (Betty Gilpin), por sua vez, está contando os dias para que esta experiência limitada em Vegas se conclua logo, para que possa retornar a Los Angeles e ficar com seu bebê. E até mesmo Ruth (Alison Brie), que sempre se empenhou o máximo que pôde para tentar gerar uma produção de que pudesse se orgulhar, começa a sentir o desgaste de ter alcançado um “teto” para o projeto. 

Mas enquanto a empreitada de luta-livre pode estar passando por esta estagnação, os conflitos das temporadas anteriores ainda permanecem sem solução, e a série passa a dedicar grande parte de seu tempo desenvolvendo estas tramas pessoais. Bash (Chris Lowell) e Rhonda (Kate Nesh) estão casados, e parecem estar felizes um com outro (mesmo que o espectador já esteja totalmente ciente do dilema de Bash com sua orientação sexual). Sheila continua tendo dificuldades para lidar com sua identidade, e o casal Yolanda/Arthie ainda não está perfeitamente confortável em sua relação. 

Os primeiros episódios vão reintroduzindo esses conflitos e assentando o grupo nesta nova realidade de Vegas, apresentando um ou outro novo personagem para tentar dar uma revigorada neste universo, com eficiência moderada. É a partir do quinto episódio que a série realmente parece ter se frustrado por tempo demais com seu estado atual, assim como suas personagens, quando temos um retorno às brincadeiras com o formato da luta-livre, onde as integrantes do grupo acabam trocando papéis entre si (sem dúvidas, o episódio mais divertido da temporada). 

Depois dessa muito bem-vinda reanimação, a série decide confrontar vários dos problemas que já permeavam suas histórias desde o começo, com um episódio (que, necessariamente, conta uma duração maior) onde o grupo decide passar uma noite acampando no deserto. O episódio acaba sendo um dos mais importantes até então, e finalmente parece que as questões sobre estereótipos ofensivos foram escancaradas a ponto de poderem ficar para trás. São vários, os diálogos que entregam muitas das resoluções que vinham sendo adiadas pela série. 

Culminando em uma Sheila mais bem-resolvida consigo mesma (com a ajuda de outro artista do hotel, uma drag queen que proporciona alguns paralelos interessantes nesta sua reflexão sobre identidade), podemos, então, retomar a nossa trajetória da temporada. A velocidade com que os últimos episódios foram concluindo partes consideráveis das jornadas originais destas personagem me fez pensar que Glow estaria adiantando seu final, antecipando a tradição da Netflix de cancelar séries depois da terceira temporada. 

Pois bem, eu estava enganado. Embora a série vá se desvencilhando cada vez mais de seu estado inicial, esta liberdade narrativa acaba impulsionando os roteiristas a explorarem estas versões reformadas de suas personagens com entusiasmo (Um salto temporal ainda ocorre perto da reta final, justamente para aumentar essa liberdade). Com diversas novas circunstâncias para vários núcleos narrativos, Bash e Rhonda ganham mais destaque, Sam se envereda por uma trama bem distante com sua filha Justine,  e Debbie vai tomando cada vez mais controle de sua situação, resultando em um grande gancho para uma possível quarta temporada. 

Esta grande variedade de perspectivas (além das representações de diversidade) são o que fazem Glow acabar sendo recomendada para qualquer espectador de Orange is the New Black, outra série que também carrega o nome de Jenji Kohan nos créditos. Tal qual a série sobre as prisioneiras de Litchfield, Glow se esforça para não deixar que nenhuma de suas personagens acabe caindo em construções previsíveis. Ruth e Debbie são bons exemplos deste esforço, com ambas as protagonistas tendo atitudes e mentalidades moralmente maleáveis.  

Outra comparação válida entre ambas as séries é a oportunidade que providenciam para vermos atrizes que não se encaixam no padrão hollywoodiano, entregarem performances impactantes, o que continua sendo um mérito válido nesta terceira temporada, ainda que mais esporádico e isolado do que na anterior. 

E depois desta aceleração tardia, a terceira temporada de Glow se encerra de forma instigante, com o futuro do programa passando por algumas reviravoltas que possuem grande potencial a ser explorado por um possível quarto ano. A complexidade das protagonistas vem ainda mais à tona durante os momentos finais, e com o grupo seguindo caminhos diferentes, fico ainda mais interessado em acompanhar uma nova trama onde Debbie precisará “reunir a banda de novo”. Resta esperar para ver se a Netflix pretende renovar a série, mas com este final, seria triste contemplar o potencial desperdiçado caso tenhamos visto estas personagens pela última vez. 

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