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O Cristal Encantado: A Era da Resistência | Crítica - 1ª Temporada

A nostalgia é apenas um dos aspectos aproveitáveis de O Cristal Encantado: A Era da Resistência, com a nova série da Netflix superando diversas aparentes limitações para proporcionar uma jornada fantástica, repleta de execuções empolgantes e cativante para qualquer fã de fantasia. 

O nome que precede o título da nova série pode não ser tão conhecido por novos espectadores, mas o público mais velho e os entusiastas do gênero nunca poderiam esquecer do legado deixado por Jim Henson. Diretor do filme original (Dark Crystal, em inglês. Ao lado de Frank Oz), Henson também ficou conhecido por ter dirigido Labirinto (estrelado por David Bowie), e por ser creditado como o criador da famosa turma dos Muppets. Seus trabalhos tornaram-se referências no uso de marionetes e conquistaram uma legião de fãs nos anos 80, ainda que tal abordagem visual tenha se tornado cada vez mais incomum atualmente. 

Sendo assim, o anúncio de O Cristal Encantado: A Era da Resistência trazia consigo diversas expectativas, algumas saudosistas e outras duvidosas, afinal, os bonecos de Henson e Oz não soam mais tão impressionantes quanto soavam décadas atrás, principalmente considerando os gostos e tendências do público infanto-juvenil atual (muito mais atraído por grandes composições digitais). Felizmente, a produção da série consegue superar expectativas em suas atualizações da “antiquada” abordagem, e não só é capaz de empolgar o espectador com suas mirabolâncias visuais, como também entrega uma narrativa fantasiosa bem elaborada. 

Muitos poderiam esperar que a série acabasse se acomodando em referências ao filme original, apostando na nostalgia acima de tudo (tal qual tantas outras produções derivadas atuais). E embora várias partes do primeiro episódio acabem ecoando momentos marcantes do filme, O Cristal Encantado: A Era da Resistência não se contenta em apenas re-utilizar este universo, dispondo-se a expandi-lo com entusiasmo e enriquecer diversos dos elementos originais. 

Se até então, tudo que tínhamos para explorar este universo eram os pouco mais de noventa minutos do filme (além de alguns livros), a série da Netflix traz quase dez horas de conteúdo. Para preencher tal duração, a história se divide entre três protagonistas, cada um vindo de uma parte diferente deste cenário, com diferentes, porém típicos, “chamados à aventura” que os jogam nesta jornada. A divisão proporciona a escala almejada por esta história, além de contribuir para um ritmo mais envolvente durante a temporada. 

Quando digo que fãs de fantasia ficarão satisfeitos, é por que apesar das claras intenções de alcançar um novo público infanto-juvenil, a série também traz construções de personagens excitantes para sua trama que qualquer espectador acostumado ao gênero irá reconhecer e apreciar, além de ir gradualmente revelando a extensão de seu universo, abrindo possibilidades instigantes para se imaginar e especular outras histórias que poderiam habitá-lo. Tais elementos geram espaço para que a abordagem de Henson possa ser ainda mais enaltecida e explorada, como no caso dos sete diferentes clãs de Gelflings, e seus visuais distintos. 

Diversos elementos do filme foram retrabalhados para servir em função desta nova história, alguns deles tornando-se até mesmo mais coesos e produtivos. O maior exemplo talvez seja a “ligação mental” entre os Gelflings, que soava um tanto gratuita no filme, mas aqui é utilizada como um elemento essencial, tanto para o avanço da trama em si, quanto para algumas das mensagens e discussões que a série procura ilustrar. A contextualização sobre a relação Aughra e os Skeksis também faz parte deste produtivo aprofundamento que a série proporciona. 

Tanto na parte visual, quanto na parte narrativa, então, O Cristal Encantado: A Era da Resistência consegue pegar a simplicidade de conceitos e composições originais, e elevá-los à um patamar digno da atenção do público atual. Mas além disso, a série também não se esquece dos temas que acompanhavam este universo, e dedica vários esforços a ilustrar os problemas de sustentabilidade causados pela ganância dos Skeksis, entre outros tópicos como xenofobia, negacionismo e manipulação social.

Tudo isso, é claro, adequado ao público-alvo com um saudável distanciamento proporcionado pela fantasia deste mundo imaginário, mas sempre mantendo os paralelos perfeitamente reconhecíveis e palatáveis. É preciso apontar, no entanto, que a série segue a mentalidade das antigas produções infanto-juvenis que pouco subestimavam a sensibilidade de seus jovens espectadores, e pais que queiram acompanhar a série com seus filhos devem ficar atentos à certas imagens de violência ocasional com estas marionetes, bem como as barbaridades cometidas pelos Skeksis (criaturas escravizadas com as bocas costuradas até me surpreenderam, neste ponto). 

O uso equilibrado de elementos digitais com efeitos práticos gera um ambiente que remete às obras dos anos 70 e 80, mas cuja riqueza e o deslumbre são capazes de distanciar o estranhamento do espectador casual, ainda que este precise de um ou dois episódios para se acostumar com tal proposta estética. A música de Daniel Pemberton também segue esta mesma linha, evocando uma certa atmosfera nostálgica, mas plenamente compatível com o tom desta história para padrões atuais. 

Conforme a temporada avança, as tramas vão se desenvolvendo com cada vez mais agilidade, tornando-se mais empolgantes e abrangentes (A diferença de ritmo entre as duas metades da temporada é notável). A evolução dos três protagonistas é envolvente, ao menos para Brea (Alice Dinnean/Anya Taylor-Joy) e Deet (Beccy Henderson/Nathalie Emmanuel), com Rian (Neil Sterenberg/Taron Egerton) seguindo sua trama de forma mais conveniente dentro do gênero. 

Mas quando alcançamos o episódio final, o grande embate entre heróis e vilões exemplifica perfeitamente a questão de “exceder as limitações” que citei anteriormente, com as sequências mantendo-se contidas em sua viabilidade, mas nem por isso deixando de serem propriamente épicas e impactantes para concluir a temporada. 

“Porque a música mudou. Soa como esperança”. 

Mais uma limitação que precisava ser enfrentada por O Cristal Encantado: A Era da Resistência, o filme original trazia uma história que se passa muitos anos depois desta, e já apresentava um mundo devastado, onde os Gelflings foram quase extintos. Sendo assim, qualquer “resistência” destes protagonistas estaria inevitavelmente fadada ao fracasso. Isso quer dizer que a série realmente abraçará um fim trágico? Ou será que os produtores estariam dispostos a alterar os eventos desta cronologia em função de novas histórias?

De qualquer forma, a nova produção da Netflix consegue ser um sucesso em diversas frentes. Compõe uma belíssima homenagem ao trabalho de Jim Henson, ressuscita sua abordagem para um novo público com inesperada eficiência e produz uma divertida narrativa fantasiosa com um universo produtivo. Considerando o elenco de estrelas por trás da dublagem, não sei o que mais poderia se desejar de uma série derivada como essa, e sua distinção dentro do cenário televisivo atual apenas torna-a ainda mais digna de atenção.  

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