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Big Mouth | Crítica - 3ª Temporada

A cruzada contra os “tabus” da comédia continua firme e forte na terceira temporada de Big Mouth, em mais uma ótima demonstração de como aproveitar os territórios da provocação e do choque de forma construtiva, mas sem tornar-se uma série pretensiosa, ou mesmerizada pela própria audácia. 

A proposta de Big Mouth é exposta com clareza desde seu primeiro episódio: Livrar-se de qualquer pudor para poder abordar tópicos considerados “sensíveis” ou até mesmo inadequados, com um tom descompromissado. O maior mérito da série, no entanto, acaba sendo o conforto atingido por cada episódio, onde apesar dos temas provocativos, o resultado desta abordagem, livre de qualquer discrição, atinge seus objetivos ao não deixar o espectador necessariamente incomodado. 

É claro que, caso a série alcance um público desavisado e mais conservador, o choque pode ser um tanto demais. Mas é preciso notar que Big Mouth nunca procura disfarçar suas intenções, e a franqueza com que trata cada tópico descontraidamente é mais do que suficiente para deixar qualquer espectador plenamente ciente de sua proposta. O estilo de Nick Kroll (criador e protagonista) sempre foi mais direcionado ao “politicamente incorreto”, mas é em Big Mouth que o comediante conseguiu encontrar a melhor execução para seus contestamentos de valores, tanto da sociedade, quanto do próprio cenário da comédia em si. 

E então, com todas as cartas na mesa, a série encontra espaço para produzir representações construtivas, que discutem assuntos normalmente evitados por seus desconfortos. As criaturas que afligem estes personagens estão sempre trazendo breves falas que apontam problemas recorrentes para qualquer jovem da geração atual, sem precisar sacrificar a descontração que o público espera de uma série animada como esta. Embora esta terceira temporada não tenha sido tão marcada pela introdução de novas criaturas como a anterior, ainda reservou-se um espaço para uma aparição da “Banshee da menopausa”, aproveitando esta ideia para ir além das inseguranças típicas de quem está no colegial, apenas. 

A vergonha pode ter sido deixada para trás nesta nova temporada, mas os monstros dos hormônios continuam ditando boa parte das ações destes personagens, e até mesmo a “Kitty da Depressão” também continua à espreita, só esperando o momento certo para aparecer. É justamente essa dinâmica absurda, onde assume-se, sem qualquer restrição, as interações entre os personagens e estas figuras, que mantém Big Mouth como uma das melhores e mais relevantes séries animadas para se conferir atualmente. E, quem sabe, ainda pode facilitar o diálogo sobre estes tópicos para alguns espectadores, propondo uma abordagem mais casual.

Não é surpresa nenhuma que a série tenha dedicado boa parte dos novos episódios a discussão sobre assédio sexual, afinal, este é um assunto recorrente na Hollywood atual. Ressuscitar “Disclosure”, filme dos anos 90 estrelado por Michael Douglas e Demi Moore, foi uma sacada interessante perto da reta final da temporada, uma vez que sua trama pode ser considerada polêmica em tempos atuais, mas cuja interpretação é bem produtiva para se discutir a visão de personagens como o professor Lizer, que decide adaptar o filme para um musical escolar. 

Felizmente, Big Mouth não se contenta em gastar seu tempo concentrando todos os esforços na grande polêmica do momento, aproveitando o professor sexista para criticar a hipocrisia de políticas preguiçosas, como os códigos de vestimenta escolares que proíbem certas roupas para as garotas, por que adolescentes cheios de hormônios “não conseguem se controlar” e, como o próprio personagem ironicamente admite, tentar resolver a fonte do problema seria simplesmente “muito difícil”. 

Boa parte dos discursos de Big Mouth acaba entregando resultados eficientes, justamente por que procuram condenar a hipocrisia, acima de tudo. Um dos melhores episódios desta terceira temporada é “Como Ter um Orgasmo”, que chama a atenção de propósito, por tratar de um assunto pouco discutido, mas perfeitamente natural de se questionar quando se fala de puberdade e descobertas sexuais. 

Outro tópico que merece destaque neste terceiro ano, a ansiedade de Nick gerada por sua obsessão com o imediatismo do celular é trabalhada com a mesma eficiência das outras representações figurativas que permeiam a série toda, sem precisar apresentar um novo “monstro” para atormentar o personagem. Além deste, também temos episódios que abordam o uso de “drogas de estudo” para lidar com a pressão de provas, flerte adolescente através de fotos sexuais, e diversidade sexual no ambiente escolar… 

Big Mouth pode não ser recomendada para menores de dezesseis anos, mas é óbvio que adolescentes de todas as idades irão procurá-la, nem que seja apenas pelo impulso de ir contra a indicação. Eis que, felizmente, pode ser que assistir a série tenha um resultado bem positivo para quem vai atrás da irreverência chamativa, mas acaba assimilando algumas advertências e interpretações bem necessárias atualmente.

A série continua mantendo uma consistência engajante com suas transgressões, sempre disposta a entregar momentos ultrajantes de sobra que com certeza irão agradar seu público-alvo (o super-poder de Jay no último episódio é, com certeza, um dos mais divertidamente desconcertantes). Às vezes, pode soar um tanto gratuita com sua disposição ao choque e a provocação excessiva, mas tais excessos acabam sendo compensados pelo esforço da série em não deixar que a atenção conquistada do público seja desperdiçada com meras rebeldias.

O sucesso da série é inegável. Mesmo que a Netflix não tenha o costume de divulgar sua audiência, Big Mouth já teve sua quarta temporada confirmada antes mesmo da estreia da terceira, além do especial de Dias dos Namorados que foi ao ar durante o período de hiato. Fãs da série ainda podem comemorar o anúncio de um “spin-off” focado no setor de recursos humanos dos “Monstros de Hormônios”. 

Tal produção me deixa animado para o futuro deste “universo”. Enquanto a série derivada poderá dar espaço para os roteiristas explorarem os absurdos destas representações com ainda mais liberdade (e mais faixas etárias), Big Mouth deve continuar mais interessada em manter seus protagonistas juvenis em evidência.  É claro que o público gostaria de ver as várias possibilidades do “mundo dos monstros” em ação, mas ao separar as abordagens, a série pode dedicar seu tempo à tramas mais contidas como a obsessão pelo celular, por exemplo. Talvez não tenha a proposta mais revolucionária entre as séries animadas, mas Big Mouth continua sendo um grande acerto dentro Netflix. 

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