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Nós Somos a Onda | Crítica - 1ª Temporada

As produções alemãs da Netflix continuam em alta com Nós Somos a Onda, nova série “derivada” do filme de 2008, “A Onda”. Mas enquanto o filme proporcionava um resultado imediato mais impactante, a série procura estabelecer uma dinâmica mais duradoura para seus personagens, e sacrifica parte da construção de seus experimentos sociais em favor de tramas mais empolgantes. 

Não há jeito melhor de começar a analisar a nova série do que reconhecendo que, ao falar sobre ondas, é importante lembrar que as marés estão sempre mudando. O filme de 2008 chamava atenção por conta de sua proposta provocativa, onde jovens alunos questionavam seu professor com a seguinte frustração: Por quê ainda precisamos estudar o nazismo, se já somos constantemente lembrados de que “isso foi algo ruim”? O professor, então, decide propor um experimento social com a classe, visando demonstrar o quão orgânico pode ser o caminho até o totalitarismo, não importando a época. 

Mas embora a proposta pudesse chocar os espectadores de dez anos atrás, nossa realidade atual torna o filme bem menos transgressor, com diversos grupos intolerantes, considerados de “extrema-direita”, demonstrando abertamente seus apoios às ideologias do nazismo (dentro da Alemanha, inclusive). Sendo assim, Nós Somos a Onda não busca aprofundar ainda mais a discussão original do filme, ou discutir a ascensão desses grupos específicos diretamente. 

Ao invés disso, a nova trama gira em torno de um novo grupo de adolescentes que, inspirados pelo novo membro da turma, constroem um movimento ativista cujo principal inimigo não é necessariamente o totalitarismo intolerante, mas sim o capitalismo inconsequente, predatório, que é responsável pelos males que afligem alguns dos protagonistas. Em paralelo ao filme, o movimento vai crescendo até se deparar com escolhas radicais, irresponsáveis ou até hipócritas, propondo a mesma reflexão sobre uma evolução orgânica de ideologias tão discutidas, atualmente. 

Os primeiros episódios fazem um bom trabalho ao apresentar o grupo principal, e estabelecer suas diferentes perspectivas e aflições. Antes da chegada de Tristan (Ludwig Simon), os personagens são retratados como sendo introvertidos, ou no caso de Lea (Luise Befort), presos dentro de noções equivocadas. Tristan chega com seus ideais revolucionários, encorajando o grupo a revidar contra qualquer agressão, e o que surge como uma mera camaradagem logo toma formas mais políticas, com o grupo adotando (ironicamente) o nome “A Onda”. 

As tramas pessoais do grupo são relevantes o suficiente para proporcionar um retrato minimamente abrangente do universo enxergado pelos personagens, incluindo as tensões raciais e as discussões políticas regionais na Alemanha, mesmo que a série nunca tire tempo suficiente para se aprofundar nestes tópicos. Ao invés disso, o que temos é o crescimento de um grupo rebelde, idealista e cheio de determinação, do jeito que costuma ser ótimo para gerar protagonistas engajantes (Star Wars não me deixa mentir). 

E portanto, boa parte da série acaba preferindo manter seu tom narrativo mais descontraído do que o filme de 2008, colocando seus protagonistas para desenvolver e executar planos ativistas que geram os momentos mais empolgantes da série. Neste caso, Nós Somos a Onda acaba se assemelhando mais à uma história de “golpe” ou “assalto” (“heists”) do quê à uma especulação política construtiva. Se isso pode desencorajar alguns espectadores fãs do filme, ao menos, é justo notar que a abordagem da série se mantém envolvente e divertida ao longa da primeira temporada, para aqueles que comprarem a proposta menos comprometida. 

Não há muito espaço para expansões de pensamento ao longo de Nós Somos a Onda, com antagonistas bem definidos (um policial “de direita” que mata um bezerro impiedosamente já mostra, logo de cara, qual a sua função dentro da trama) e discursos cujo alcance não vai muito além daqueles que já simpatizarem com os protagonistas. Existe, portanto, um potencial desperdiçado na série, que não consegue expor os problemas de uma mentalidade radical com o impacto necessário, muito menos para aqueles que podem interpretá-la como uma romantização equivocada. 

Abraçar definições políticas como “direita” e “esquerda” também acaba sendo pouco produtivo para os debates da série, uma vez que tais termos já carregam tantas conotações equivocadas e deturpadas para o público (e para os próprios personagens), além de contribuir para uma polarização alienante. Sendo assim, Nós Somos a Onda acaba expondo toda a sua vontade de se expressar, e de adicionar sua voz às discussões, mas sua falta de perspectiva e aprofundamento acaba colocando-a do lado de tantas outras produções que não visam construir uma reflexão social relevante, tanto quanto esperam apenas entreter o espectador. 

A evolução dos personagens, ao menos, mantém a série engajante até o final, e suas transformações pessoais são gratificantes para o espectador que acompanhá-los ao longo da temporada. Em momento algum, a série acaba deixando o ritmo cair, ou fica estagnada em uma única dinâmica para o grupo, o que faz com que uma maratona seja perfeitamente recomendável. E considerando o estado final da temporada, ainda há muito o que fazer com grupo em tramas futuras, com potencial suficiente para empolgar o espectador. 

Mas enquanto as denúncias contra o elitismo ou a higienização podem ter seu momentos de empolgação ao longo dos planos do grupo, ainda há muito espaço para se discutir o crescimento de um “movimento revolucionário” dentro do século XXI. Em partes, o espectador pode associar “A Onda” com figuras atuais como o grupo “Anonymous”, ou com o padrão de manifestações que percorre vários países do mundo. Mas a complexidade moral de um “movimento” que toma uma proporção nacional, é um terreno que só poderá ser explorado em uma possível segunda temporada. 

No fim das contas, Nós Somos a Onda é uma série que poderá ser ainda melhor aproveitada, caso o espectador esteja apenas procurando por uma trama juvenil excitante. O padrão que vem sendo percebido com as produções alemãs na Netflix continua presente por aqui, com um roteiro que sabe explorar sua estrutura narrativa para preencher os episódios de forma envolvente. Mas para saber se série conseguirá ter o mesmo impacto do filme, ainda precisaremos esperar mais algumas temporadas, e ver se os roteiristas tem algo a dizer sobre o espírito de rebelião que soa tão atraente para as gerações mais jovens, no mundo atual. 

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