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O Escolhido | Crítica - 2ª Temporada

Quantas vezes você já escutou a expressão o escolhido? Muitas, dezenas? É, mas se assistiu vários filmes de aventura, ou ficção científica, ou fantasia, seja o que for, teve a sorte de encontrar estes personagens predestinados focados em um dever ou missão, com muito mais gana e carisma do que nesta modorrenta série de seis episódios (ainda bem!) da provedora mundial via streaming.

A Netflix traz de volta para uma segunda temporada – após uma primeira nada promissora – a série nacional O Escolhido, que em sua primeira parte apresentou três médicos dispostos a levar a vacina contra o vírus zika em uma região do Pantanal brasileiro, mas que chegando lá encontraram desafios com um curandeiro local e seu culto de fiéis.

Após os eventos da primeira temporada, encontramos estes três médicos em situações diferentes. Mais: os mistérios ao redor do homem sagrado do vilarejo de Aguazul serão investigados por uma jornalista investigativa, que busca a verdade que ronda a figura do homem capaz de curar todas as enfermidades.

Os problemas de O Escolhido podem ser notados já no primeiro episódio. Estes perdurarão, praticamente, por toda a temporada. Apenas no episódio derradeiro (o sexto), teremos um algo a mais. Como se pela primeira vez na temporada, houvesse algum movimento que destoa-se positivamente da morosidade de todo o resto. Até é possível estabelecer uma comparação com certos momentos do longa Bacurau, uma das sensações do cinema nacional neste ano. Não dá para afirmar que a obra dirigida pelo duo Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles acertou a mão nesta produção, porém, ao menos, dá para dizer que Bacurau é uma obra de vida e movimento. Algo que faz muita falta nesta série Netflix.

Tenta-se fazer um pouco de cinema de ação, mas isso não acontece na prática (apesar da trilha sonora fazer a sua parte, sozinha); tenta-se fazer mistério, no entanto, o texto é expositivo demais e a montagem é muito quadrada, protocolar; e também arrisca-se situações dramáticas que entregam cenas secas, sem maior fluidez, além do fato de não haver nenhum espaço para nuance, todo o conceito de resumo em um grande bloco, sem espaço para o assinante Netflix se envolver com a trama que aponta os exageros e falcatruas do fanatismo religioso (seja a escola espiritual que for).

Fica difícil imaginar que tantas obras de audiovisual consigam algo próximo que Tom McCarthy conseguiu com o excepcional Spotlight – Segredos Revelados, filme que iluminou os casos de pedofilia que eram encobertos pela Igreja, na cidade de Boston. Não se deixe enganar pela sobriedade narrativa do filme de 2015. Acontece muita coisa ali, e acontece o tempo inteiro.

Para fazer uma obra com viés crítico, pressupõe-se que o mínimo necessário é haver uma faísca para acender o pavio. Entretanto, O Escolhido não parece querer fazer tal incisão na cabeça dos assinantes Netflix. Resumindo: para criticar de maneira construtiva, se faz essencial certo didatismo, ou algum desejo de querer mover as coisas de lugar. A série de produção brasileira se recusa a praticar ambas.

Isso ocorre em boa parte pelo elenco. O único personagem que dispõe um traço de dubiedade é Damião, interpretado por Pedro Caetano. Nos três episódios iniciais desta segunda temporada, a única coisa que vibra e tenta magnetizar algo é a performance de Caetano. Se o roteiro de O Escolhido ajudasse mais, talvez, haveria mais gosto em assistir a história.

Os outros pares do elenco? Praticamente, inexistem. Gutto Szuster – que faz o papel de Enzo – se resume em ser um samba de uma nota só por toda a trama, sendo o personagem mais desinteressante de se acompanhar. Paloma Bernardi – que já figurou como estrela em telenovelas – exprime uma performance física louvável, contudo, em matéria de construção e tratamento, sua personagem não se destaca em nada, lamentavelmente.

Mas, o pior fica para o ator que entrega o personagem-título do enredo: Renan Tenca.

O jovem ator cai no mesmo erro que Gutto Szuster. Posto que seu personagem é nada mais, nada menos, uma caricatura. Tudo é traduzido para uma face séria, ou uma careta de bravo. Não existe tom, direção nenhuma para este personagem. O que é entristecedor, pois estamos falando do protagonista da história.

Sobra muito pouco para se elogiar em O Escolhido Certamente, o elemento de maior destaque foi, e continua sendo, o santuário do pantanal brasileiro. Existe sim, uma riqueza visual que vai além do verde imensurável. No episódio seis, é onde podemos admirar um pouco melhor o pequeno vilarejo de Aguazul. As cenas noturnas são realmente de fazer o assinante da Netflix ficar encantado. Mesmo a direção de arte, continua a ganhar pontos com os cenários e figurinos.

Só que não dá para sobreviver disso por uma temporada toda, convenhamos.

Mesmo os fãs de ‘gore’ – subgênero cinematográfico de filmes de terror – não sentirão nada, por testemunhar o sangue e vísceras representados em cena. Tudo é muito frouxo, ou apenas confortável demais.

O Escolhido é o anti-Midsommar: O Mal Não Espera a Noite. Se o longa de Ari Aster consegue entreter, circular, e especialmente, incomodar ao retratar cerimônias de culto pagão – além de provocar umas risadas. A produção nacional da Netflix passa despercebido com suas lágrimas de sangue e líquidos azuis que são cuspidos no rostos de devotos do homem sagrado.

Até erros de continuidade podem ser encontrados por aqui!

E, pensar que a temporada termina com um ‘cliffhanger’ até que bem interessante. Agora, resta saber se conseguirão aproveitar bem isso. Algo que não foi feito em duas temporadas.

Recentemente, a competente série Apocalipse V também deixou um gostinho de quero mais. Todavia, a produção Netflix que trata de uma batalha iminente entre seres humanos contra vampiros, deixou algo substancioso de sua primeira parte. O Escolhido não construiu uma base muito solidificada para entregar algo muito diferente do que vem sendo apresentado. Seria necessário uma mudança de tom completa para conseguir fazer desta história algo marcante, sendo ultrajante, profunda, o que for preciso.

Enquanto isso, fica a expectativa de vermos se essa serpente, realmente, melhor dizendo, finalmente, irá mostrar suas presas letais.

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