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Você | Crítica - 2ª Temporada

Séries e filmes sobre psicopatas existem aos montes, e justo quando achamos que o tema já foi trabalhado à exaustão, surge uma série como Você, que consegue entregar uma nova abordagem sobre este tipo de personagem com reviravoltas e dramas de sobra, além de levantar algumas discussões bem interessantes. 

A primeira temporada de Você foi uma grata surpresa. Há primeira vista, minha expectativa era de que a série seria apenas mais um drama destinado ao público jovem adulto, com um protagonista carismático e uma abordagem feita para agradar um nicho bem específico. Não demorou muito para que eu percebesse que, na verdade, a série tinha muito o que dizer sobre seu personagem principal, e o fez de forma mesmerizante, construindo a perspectiva de Joe com resultados impactantes e dignos de atenção. 

O grande diferencial da proposta de Você é expor as reflexões morais de seu protagonista, mostrando como ele justifica seus atos e se enxerga como um típico “mocinho” de uma comédia romântica comum. No entanto, a série nunca se esforça (fora da perspectiva de Joe) para tentar justificar a mentalidade de seu personagem como algo aceitável, e é justamente esse choque entre a realidade e o que se passa na cabeça do personagem que tornou a primeira temporada tão envolvente. 

Mas depois dos eventos deste primeiro ano, fiquei um tanto receoso com a mudança de ambiente, dinâmica e personagens que viriam com a segunda temporada, além de me perguntar se seria possível ter qualquer empatia por Joe depois do que aconteceu no episódio final. Seria possível vermos a mesma proposta sendo repetida, sem acabar arruinando parte das reflexões que a série fazia sobre as questões de perspectiva? Eis que, então, Joe continua inegavelmente equivocado e destrutivo com seus atos, e mesmo assim, o espectador se pega acompanhando o protagonista com total dedicação. No máximo, os eventos da primeira temporada nos fazem ter expectativas diferentes sobre como esta nova relação de Joe vai se resolver… 

Você é uma série com uma direção e uma fotografia bem pragmáticas, com pouquíssimos momentos de destaque visual, ou uma dedicação à construção de sequências que costumam ter maior apreço nas séries mais prestigiosas. No entanto, o que temos por aqui é um roteiro que dedica muito esforço à evolução de seu protagonista, e a sua narrativa em si, proporcionando tramas que mantém o espectador aflito em meio aos arriscados planos de Joe, de forma muito semelhante o que se via com a série “Dexter”. 

E além de um roteiro cativante, ainda temos atuações que conseguem carregar a emoção de seus personagens em meio à tantas reviravoltas, sem deixar a série cair no exagero. Penn Badgley já havia demonstrado que era simplesmente perfeito para o papel de Joe, com seu carisma e charme complementando perfeitamente as falas equilibradas do personagem, mesmo durante cenas chocantes e desconcertantes. Mas neste segundo ano, também temos Victoria Pedretti (também conhecida como a caçula de A Maldição da Residência Hill) que interpreta o novo interesse romântico da temporada com mais profundidade e complexidade do que víamos, até então. 

São vários, os momentos em que me pego pensando “por quê estou torcendo para que ele consiga manter a relação com ela?”, afinal, todos sabemos como a trama poderia terminar, e se eu estava me afeiçoando à personagem, por que eu iria querer alguém tão destrutivo perto dela? Os flashbacks desta temporada, mostrando a infância de Joe, soam um tanto apelativos para uma série que, na verdade, não precisa deles, pois são vários os elementos que garantem a dinâmica funcional da trajetória de Joe, sem deixar o espectador se afastar.

Esta temporada não tem um crescimento tão consistente quanto a primeira, com as viradas de roteiro trazendo novas circunstâncias em um ritmo diferente para o protagonista. Ainda assim, é justamente por causa das diferenças destas novas situações que a segunda temporada se manteve tão engajante quanto a anterior, com Love, por exemplo, aceitando algumas das mentiras de Joe (agora Will) logo nos primeiros episódios, e com o protagonista tentando se manter mais fiel à sua bússola moral, apesar de seus impulsos. Não que isso importe muito, pois ainda temos atos e constatações condenáveis de sobra para que o espectador tenha certeza de que a redenção não é algo que pode ser seriamente discutido para Joe, não importa o quanto ele nos mostre seus motivos e aspirações. 

Mas mesmo que não possamos concordar com uma redenção, o crescimento do personagem é reconhecível e envolvente ao longo destes novos episódios, e a complexidade de seus pensamentos é sempre atraente o suficiente para que continuemos querendo descobrir qual será sua próxima solução. 

E eu não costumo fazer isso nestas críticas, mas os próximos parágrafos contém SPOILERS, pois sinto que precisamos discutir um pouco sobre o episódio final da temporada. Se não viu, não leia, pois esta é uma série muito mais divertida de se ver quando não se sabe de absolutamente nada: 

Pois bem. Você é uma série que procura ilustrar um pensamento problemático que não só está presente em nossa sociedade, como também é, muitas vezes, romantizado e idealizado pela mídia. Esta consciência da série é um atributo importante, que talvez só pudesse ser criticado quando se aponta que, por acompanharmos apenas a perspectiva de Joe, as mulheres à sua volta soam como meras vítimas, com muito menos complexidade do que a psicologia perturbadora do protagonista.

Mas eis que o episódio final puxa o tapete debaixo do espectador, e inverte as posições de Joe e Love, aproveitando esta noção equivocada para causar o impacto necessário desta grande reviravolta, e expandindo ainda mais a discussão sobre suas motivações e influências, além de alterar completamente a maneira como enxergamos os potenciais destes personagens.

Se a primeira temporada foi uma ótima execução da proposta principal da série, este segundo conseguiu revirar e aprofundar muito do que vinha sendo construído com o protagonista até aqui, evitando, felizmente, cair na redundância ou na gratuidade com suas novas tramas. Os momentos finais do último episódio ainda expõem uma nova parte da mentalidade equivocada de Joe, e se os roteiristas estiverem tão atentos à estas construções narrativas quanto foi visto nestes dois primeiros anos, a terceira temporada tem tudo para ser, no mínimo, ainda mais empolgante e cheia de tensão. 

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