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Anne with an E | Crítica - 3ª Temporada

A base de fãs de Anne with an E pode não ser das maiores, mas foi perfeitamente capaz de construir a antecipação para a estreia desta terceira (e última) temporada da série, com os vários debates sobre as abordagens progressistas desta adaptação ganhando ainda mais força, e com a história chegando à uma conclusão, no mínimo, satisfatória para quem acompanhou até aqui. 

Um pouco de contexto. Anne with an E é uma série canadense baseada em uma coleção de livros chamada “Anne of Green Gables”. Desde o início, a produção percebeu um potencial no material original para trabalhar a carismática protagonista com uma abordagem que destacasse os aspectos feministas e as possibilidades para tramas sobre inclusão e preconceito, em meio à época e os personagens de Green Gables. A série sempre deixou claras as suas intenções e construiu seus argumentos de forma consistente, mas era de se esperar que muitos espectadores acabassem frustrados pelas alterações feitas ao material original.

E mesmo com a série conquistando uma base de fãs expressiva, o perigo de cancelamento esteve sempre presente ao longo da produção. Mas com esta terceira temporada, Anne with an E consegue concluir-se, ao menos na maior parte, de forma satisfatória e construtiva, entregando um fim de jornada adequado ao arco de sua protagonista, além de ter aproveitado suas últimas oportunidades para discutir alguns tópicos relevantes ao universo da série. 

A terceira temporada já começa com Anne interagindo com uma comunidade indígena em Green Gables, com a protagonista fazendo amizade com uma das crianças da comunidade e querendo escrever um artigo sobre seus costumes. A interação é vista com maus olhos por membros da cidade, e mais uma vez, a série procura explorar questões como intolerância e preconceito em uma época como esta, mas com uma perspectiva indiscutivelmente contemporânea. Este talvez seja o aspecto mais curioso de Anne with an E, que demonstra total capacidade de retratar o período de sua história com fidelidade, mas que também procura, deliberadamente, transportar este cenário para uma discussão cujos argumentos são fundamentados em nossa visão de mundo atual. 

Mas além destas discussões, a nova temporada também retoma o arco pessoal da protagonista, com Anne dedicada a saber mais sobre suas origens, antes de ter se tornado uma orfã. Felizmente, a série já deixou para trás o foco nos traumas de Anne, que embora importantes para a evolução da personagens diante dos olhos do espectador, também poderiam tomar um tempo desnecessário, perto da conclusão. Agora, a personagem busca informações sobre seus pais biológicos, o que compõe uma trajetória de amadurecimento construtiva para uma protagonista que se considera tão peculiar perto de seus colegas. 

A busca pela origem é uma trama interessante para qualquer personagem orfão, na verdade. Logo de cara, já existe a tensão com os pais adotivos, que podem se sentir incomodados com tal obsessão. Mas além disso, também ressalta um aspecto importante de nossa personalidade, que é fácil de simpatizar: todos temos a necessidade de saber de onde viemos, e torna-se ainda mais difícil saber para onde vamos sem este conhecimento pessoal. O final da temporada consegue entregar a resolução que Anne precisava, e reforça o sentimento de conclusão que a série precisava construir. 

Nota-se, no entanto, que a série parece estar meramente fechando uma “fase” com esta temporada. Sem novos episódios, é possível acompanhar a trajetória de Anne até aqui e não sentir que a série foi abruptamente encerrada, mas também série perfeitamente viável continuar acompanhando esta personagem em suas novas e diferentes aventuras, com as novas circunstâncias deste final. O único grande problema, e este sim soa como um final equivocadamente abrupto, é a triste trama dos pais indígenas que buscam recuperar sua filha de uma escola doutrinadora. Se haviam planos para que a trama encontrasse um final mais otimista, infelizmente os espectadores terão que aceitá-lo como uma mera possibilidade. 

Não há dúvidas de que o grande trunfo de Anne with an E é, e sempre foi, a performance de Amybeth McNulty como a personagem principal. A atriz interpreta Anne com um entusiasmo contagiante, compondo uma protagonista impetuosa e expressiva que é sempre muito fácil de seguir e empatizar. O tom narrativo da série como um todo trata seus personagens de forma confortável para o espectador, mas é por causa da personalidade marcante de Anne que a série foi capaz de redirecionar o foco de seus episódios como bem entendesse, contanto que a personagem estivesse lá para nos guiar.

Desde sua protagonista, até a maneira como aborda os temas progressistas, Anne with an E é uma série fácil de assistir, onde embora tenhamos episódios bem mais tristes, o otimismo e a convicção estão sempre ali para nos manter entretidos. O grande problema, no entanto, é que apesar de toda essa palatabilidade, a série também acaba tendo um apelo não tão abrangente quanto seria o ideal. Para quem resolveu dar uma chance, a história de Anne é confortável e convidativa de se acompanhar, não importando os rumos das temporadas. Mas para o grande público, não há muito que chame tanta atenção, e principalmente, não há grandes planos para estas histórias que pudessem manter os espectadores intrigados. O que temos, é sempre uma perspectiva mais descontraída e casual.

São vários, os momentos de Anne with an E em que este universo parece um tanto idealizado, com os problemas sendo resolvidos de forma bem mais inspiradora do que realista. Mais uma de vez, me peguei pensando durante a série “quem dera realmente tivesse sido assim”, pois é óbvio que, caso o foco fosse o retrato mais fiel, a tragédia destas tramas seria bem mais presente do que qualquer traço da comédia. Mas há de se ressaltar que este nunca foi o intuito da produção, e ao invés disso, sempre tivemos um espaço seguro onde estas histórias discutiam tópicos bem relevantes para o público atual, de uma forma acessível e descontraída. 

Infelizmente, a série não deve retornar para uma nova fase de Anne e suas aventuras. Mas ainda assim, as três temporadas de Anne with an E formam uma experiência válida para um público jovem que se pegue interessado pelas situações da época, e que seja cativado por esta clássica protagonista. A produção nunca foi uma das mais chamativas, mas no que se propôs a fazer, fez com empolgação. 

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